Título: 'Postura preconceituosa deturpa a política'
Autor: Manzano Filho, Gabriel
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/02/2007, Nacional, p. A11

De certo modo isso já vem acontecendo. Como afirmei, o que critico é um certo ranço ideológico que tem, entre outras coisas, esse sentido de antiamericanismo. O antiamericanismo eu coloco até como manifestação secundária dessa postura ideológica. O meu problema com o antiamericanismo não é que eu seja pró-americano. Eu poderia passar várias horas fazendo críticas a sérios erros da política americana, a terríveis omissões. Mas não interessa. Meu ponto é que, quando você tem posturas preconceituosas, preconcebidas, negativas, em relação a outro parceiro - ainda mais um parceiro tão importante quanto os Estados Unidos - isso deturpa a política, tolhe a visão, leva a caminhos equivocados. E isso nos empobrece no plano internacional.

O que o Itamaraty poderia fazer?

Acho que o Brasil precisa parar de preocupar-se em ser diferenciado dos Estados Unidos. Nós temos que ficar na nossa, como eles estão na deles. A existência desse ranço ideológico é algo irritante. Para mim, como embaixador em Washington, foi um incômodo algumas vezes. Mas acabou não sendo um obstáculo ao avanço, porque as condições objetivas de um lado e de outro e a orientação política dos dois presidentes foi avançar na relação bilateral.

O ministro Celso Amorim reclamou que as suas queixas só foram feitas agora, quando o sr. já deixou as funções de embaixador...

Na intimidade e confidencialidade da correspondência interna, tanto formal quanto informal, em conversas com colegas, eu marquei minha visão em relação a temas que ou eram bilaterais, como os EUA, ou tinham alguma relevância para o diálogo Brasil-EUA. A minha jurisdição eram as relações Brasil-Estados Unidos. Não era Mercosul nem a China. E você, como profissional, no exercício da função, tem de ater-se às instruções que recebe. Pode questioná-las antes que se bata o martelo. Quando Brasília bate o martelo e diz 'cumpra-se', você cumpre. Eu passei a vida toda fazendo isso. Agora, não faz sentido um embaixador, prematuramente, estar a falar publicamente de assuntos que não são de sua seara, mas que são, sim, de seu interesse como profissional com uma larga biografia como eu tenho.

Que balanço o senhor faz sobre esse episódio?

Não quero mais comentá-lo, o que tinha a dizer eu o disse, uma vez só. Mas cabe acrescentar que me orgulho de ter servido ao Itamaraty durante quase 45 anos - e, através dele, ao Brasil. E agora tenho condições de dizer, publicamente, coisas que eu penso não só sobre as relações com os Estados Unidos, mas sobre outros temas da política internacional.

Está faltando debate sobre as questões diplomáticas?

Eu acho, de fato, que tem faltado debate, no Brasil, sobre política externa. No Brasil o debate político tem sido muito voltado para questões internas. Se o que eu disse está tendo repercussão, e se contribui para suscitar o debate, acho que o resultado do episódio foi positivo.

O ENTREVISTADO

Roberto Abdenur, de 64 anos, foi embaixador do Brasil nos Estados Unidos do início de 2004 até o fim de janeiro deste ano, quando se aposentou e voltou ao Brasil. Economista pela London School of Economics (Grã-Bretanha) e formado também em Direito pela PUC do Rio, foi embaixador em Viena (2002 a 2004), em Berlim (1995 a 2002), em Pequim (1989 a 1993) e em Quito (1985 a 1988).