Título: Ladrões arrastam criança por 7 km
Autor: Lousada, Bruno e Thomé, Clarissa
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/02/2007, Metrópole, p. C9

João Hélio Fernandes, de 6 anos, morreu na noite de quarta-feira após ser arrastado por 14 ruas, um trajeto de sete quilômetros que cruzou quatro bairros da zona norte do Rio. O menino foi levado por dois rapazes que roubaram o Corsa de sua mãe. O garoto ficou preso ao cinto de segurança, do lado de fora do veículo. Durante o trajeto, o menino teve a cabeça arrancada. O carro passou por um quartel do Exército, pelo Fórum e pela Policlínica da Polícia Militar. Os assaltantes foram presos no fim da tarde de ontem. O crime causou comoção no Rio.

A comerciante Rosa Cristina Fernandes, de 41 anos, voltava para casa com os dois filhos, João e Aline (de 13 anos), quando a família foi abordada num sinal de trânsito por dois rapazes, que os ameaçaram com uma arma - depois, concluiu-se que era de brinquedo. Cristina e Aline deixaram o carro. A comerciante ainda tentou ajudar o filho a se livrar do cinto de segurança. João Hélio já estava do lado de fora do veículo, mas os criminosos arrancaram com o Corsa antes que ele conseguisse se desvencilhar do cinto. A porta do carro fechou, e o menino foi arrastado pelo abdome.

Mãe e filha entraram em desespero. Aline chegou a correr atrás do carro. Motoristas e motociclistas buzinavam e piscavam o farol. Eles chegaram a ser ameaçados com a arma por um dos assaltantes, que dirigiam em ziguezague para tentar se livrar do garoto. ¿Testemunhas contaram que a criança quicava no asfalto¿, comentou o delegado Hércules Pires do Nascimento. Dez minutos depois de terem levado o Corsa, os rapazes estacionaram o carro na Rua Caiari, em Cascadura, e fugiram a pé.

COMOÇÃO

O crime provocou comoção até entre os policiais. O sargento do 9º Batalhão (Olaria) que localizou o carro ficou tão emocionado com a cena, que não conseguiu reportar a ocorrência pelo rádio. Trinta PMs que deixariam o serviço na manhã de ontem se ofereceram para continuar no batalhão e ajudar na captura dos criminosos. Três delegacias se empenharam para esclarecer o crime.

O Disque-Denúncia recebeu 24 telefonemas com informações e anunciou o pagamento de R$ 2 mil a quem soubesse do paradeiro dos assassinos. Algumas pessoas telefonaram e se ofereceram para pagar a recompensa. À tarde, o valor subiu para R$ 4 mil.

O secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, e o comandante-geral da PM, coronel Ubiratan Ângelo de Oliveira, estiveram no velório de João, no Cemitério Jardim da Saudade, em Sulacap. Beltrame assumiu a falta de policiamento na zona norte. ¿Obviamente precisamos melhorar o policiamento na rua¿.

Ubiratan Ângelo minimizou o fato de o menino ter sido arrastado por sete quilômetros sem nenhum policiamento. ¿A vítima não morreu durante todo o trajeto, mas nos primeiros 100 metros. Ele não morreu por falta de policiamento. Ele foi assassinado¿, afirmou o comandante-geral da PM.

REVOLTA

Parentes e amigos da família estavam revoltados. ¿É uma criança de 6 anos, que foi brutalmente assassinada. É mais uma vítima da violência do Rio, um lugar em que policiais são mortos, queimam ônibus com pessoas vivas¿, comentou o tio, Antônio Alberto Fernandes. ¿A polícia está trabalhando, mas não adianta. Parece que eles se reproduzem. Eles destruíram uma família, não mataram apenas o Joãozinho¿, disse a prima Andréa Tavares.

A irmã de João entrou em desespero no momento do enterro. ¿Desculpa, João. Eu não te salvei. Eu quero meu irmão. Tira meu bebê de lá¿, dizia a adolescente, amparada pelos pais. A avó materna de João também desabafou: ¿Essa violência tem que acabar. Não é possível. Eu perdi meu netinho.¿

Momentos antes do sepultamento, o comandante do 9.º Batalhão, tenente-coronel Batalha, anunciou a prisão dos suspeitos. Uma denúncia anônima levou a polícia à casa do pai de Diego Nascimento da Silva, de 18 anos. Ele ajudou na prisão do filho. Diego denunciou seu comparsa, E., de 16 anos.

Também foi preso com os dois assassinos, um jovem de 19 anos, identificado como Tiago, que prestou depoimento e foi liberado depois. A polícia garante que o rapaz não está envolvido no crime.