Título: A imposição de horários na TV
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/02/2007, Notas e Informações, p. A3

Embora os programas exibidos na televisão aberta já sejam classificados por horário, por determinação da Portaria 796, baixada há sete anos com o objetivo de desestimular as emissoras de transmitirem cenas de violência e sexo no período em que crianças e adolescentes assistem à tevê, o Ministério da Justiça decidiu adotar regras mais rigorosas para evitar os abusos que têm sido cometidos. Como a Portaria 796 é meramente ¿indicativa¿ e não prevê punições, não produziu os resultados esperados.

A idéia do governo é definir horários para a exibição de programas adequados a cada faixa etária e impor sanções às emissoras que desrespeitarem as novas regras. A medida é adotada em muitos países democráticos de alto nível cultural, como Suécia, Holanda, Inglaterra, Canadá e Estados Unidos. Além disso, foi submetida a consulta pública e discutida em seminários com a participação de vários setores da sociedade civil, tendo sido reivindicada por ONGs que defendem os direitos da infância. E é prevista pela Constituição, cujos artigos 220 e 221 obrigam os meios de comunicação a respeitar os ¿valores éticos e sociais da pessoa e da família¿ e dão ao Executivo competência para exigir que as emissoras informem a ¿natureza de seus programas¿, ¿as faixas etárias a que não se recomendam¿ e os ¿locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada¿.

Nos debates com os setores interessados, os técnicos do Ministério da Justiça foram enfáticos ao afirmar que os critérios a serem adotados não configuram qualquer tipo de censura. Mesmo assim, as emissoras reagiram à iniciativa do governo, atuando em dois campos. Um é a esfera judicial. Segundo as televisões, tanto a Portaria 796 quanto a que irá substituí-la seriam inconstitucionais, pois a matéria teria de ser objeto de lei aprovada pelo Congresso. A discussão foi levada ao STF em 2001 e, coincidência ou não, o processo foi votado na semana passada, tendo havido empate.

Cinco ministros votaram a favor dessa tese e cinco votaram contra. Um dos ministros que votou a favor das emissoras já advogou para a Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão, tendo elaborado um mandado de segurança contra a Portaria 796. O desfecho do caso depende do voto da presidente da corte, ministra Ellen Gracie.

O outro campo em que as televisões estão agindo é o da opinião pública. Para se contrapor às entidades da sociedade civil que apóiam a iniciativa do governo, as emissoras mobilizaram artistas, diretores e roteiristas. A idéia é tentar deslocar o eixo do debate, classificando como cerceamento da liberdade de criação e informação qualquer tentativa do governo de proibir a exibição de determinados tipos de cenas em qualquer horário.

¿Queria saber quem são essas pessoas que se arvoram no direito de censurar a criação artística¿, diz o diretor Antônio Calmon. ¿A arte lida com elementos subjetivos. Tentar colocar regras é limitar a liberdade de expressão¿, afirma o roteirista Walcyr Carrasco. ¿Sem vilões, maldades e maus exemplos não há dramaturgia¿, endossa o autor Carlos Lombardi. ¿O horário de exibição dos programas é função das emissoras. Não cabe a um governo determinar escolhas¿, protesta Ricardo Linhares. Os quatro trabalham para a Globo, a rede que mais vem se empenhando contra os novos critérios. Recentemente, a emissora passou a veicular uma propaganda na qual uma menina tem os olhos cobertos por várias mãos e um locutor afirma que ¿ninguém melhor do que os pais para saber o que os filhos devem assistir¿.

Mas a questão não é tão simples quanto parece. Muitos pais não têm condições de impedir os filhos de ligarem a tevê em determinados horários, quando estão trabalhando. E certos programas e novelas transmitidos em horário livre confundem dramaturgia com apelações rasteiras, envolvendo adultério, incesto, cenas de sexo e linguagem chula, que são tratados como se fossem comportamentos corriqueiros nas famílias brasileiras.

Evidentemente, é necessário conhecer o texto definitivo da portaria que o governo pretende baixar, para se chegar a uma conclusão definitiva. Mas uma coisa é certa: diante da vulgaridade e da baixaria da programação das televisões abertas, era necessário que o poder público agisse.