Título: Rodovias - convicção versus necessidade
Autor: Senna, Luiz Afonso dos Santos
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/02/2007, Economia, p. B2

As rodovias e suas formas de financiamento estão claramente numa era de transição, e as reformas no setor podem ser observadas numa escala mundial.

A principal razão para os governos, na sociedade moderna (de países desenvolvidos ou não), conclamarem à participação privada na provisão de infra-estrutura é a falta de recursos públicos para o setor. Outras razões incluem a necessidade de eficiência gerencial e a confiabilidade dos investimentos.

As rodovias desempenham um papel-chave no desenvolvimento, e o crescimento econômico está fortemente relacionado aos investimentos no setor. A insuficiência de recursos públicos para investimentos é notória e tem aspectos endêmicos. A conseqüência imediata é o governo recorrer à participação privada no provimento e na gestão das rodovias, aliás, fato que já ocorreu em outras utilities, como energia, telecomunicações, ferrovias e portos.

Acontece que muitos governos acabam se mostrando titubeantes diante da iminência da realização de concessões à iniciativa privada. Isso ocorre pela falta de convicção política e ideológica. Por outro lado, a necessidade empurra os governos nessa direção e o resultado é a falta de decisão. Esse comportamento se pode denominar dilema da ¿convicção política versus necessidade¿. A exteriorização desse dilema implica riscos. A percepção e a avaliação destes riscos por parte dos investidores significa o pagamento de prêmios e a necessária comparação com outros países. Isso implica que o País precisa conduzir as reformas necessárias para criar o ambiente favorável para a atração do investidor privado.

O governo federal manifestou recentemente dubiedade quanto à continuidade da licitação de um lote de rodovias federais que vinha sendo elaborada havia vários anos, e poderia optar pela adoção de pedagiamento administrado diretamente pelo próprio governo. Obviamente, tal decisão representaria um claro retrocesso em relação ao que já foi realizado até aqui, particularmente se comparado com a evolução observada nas áreas de energia, telecomunicações e mesmo nas ferrovias, que são parte do setor transportes.

Muitos investimentos em rodovias não são facilmente recuperados se o ambiente econômico não for favorável, se ele se deteriora ou ocorre uma descontinuidade nas operações. Experiências prévias mostram que isso pode fazer os governos se comportarem oportunisticamente, tomando decisões que os levem a se apossar de valores que fazem parte do projeto. Exemplos desse tipo de comportamento são os de governos que, durante campanhas de reeleição, decidem unilateralmente por cortes de tarifas ou por não honrar reajustes tarifários acordados contratualmente, como forma de assegurar votos e apoio popular. Alguns países têm experimentado esse tipo de comportamento oportunístico, apresentando também um cenário no qual um novo governo decide não honrar a política tarifária estabelecida no contrato outorgado no governo anterior. Existiram até mesmo casos em que a proximidade das eleições influenciou o comportamento oportunístico de governantes estaduais que não honraram o estabelecido em contrato outorgado por eles mesmos, durante o período da administração anterior.

O comportamento oportunístico enfatiza o choque entre o chamamento da ¿participação privada por convicção versus participação privada por necessidade¿, um dilema típico enfrentado por governos sem orientação política e ideológica clara. A principal diferença observada na experiência internacional é a velocidade das reformas, que, no caso da necessidade, é mais lenta e envia mensagens confusas para o mercado.

Oscar Wilde escreveu certa vez que ¿a experiência é o nome que todos dão aos seus erros¿. As últimas décadas foram testemunhas das experiências mais variadas no Brasil e em diversos países, com alguns erros cometidos, como diz Wilde, mas também com muitos acertos, porém, fundamentalmente, com muitas novidades que podem ser utilizadas para minimizar os problemas enfrentados para o provimento e desenvolvimento sustentado da infra-estrutura de rodovias.

Muitas das lições estiveram presentes durante todo o tempo, como a necessidade de projetos econômicos viáveis, estrutura financeira conservadora, análise de sensibilidade abrangente, os efeitos dos aspectos macroeconômicos, a necessidade de incentivos adequados, arranjos institucionais e regulatórios adequados e razoabilidade na concepção e implementação dos projetos.

Todo esse acervo teórico e prático acumulado ao longo dos anos deve servir de base e de inspiração para os tomadores de decisão. Estes, por sua vez, devem ser ao mesmo tempo exigentes e flexíveis para entender o ambiente e as diferentes dimensões envolvidas em projetos de tal magnitude, como as questões técnicas, sociais, políticas, econômicas, financeiras, legislativas, regulatórias e judiciárias.

Mais do que um desejo, é possível vislumbrar que num futuro próximo a experiência se transformará em sabedoria e, então, os problemas relacionados à sustentabilidade da infra-estrutura rodoviária poderão ser minimizados, deixando as rodovias à altura das necessidades de desenvolvimento econômico do Brasil.