Título: O front fica na sala de aula
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Fonte: O Estado de São Paulo, 10/02/2007, Notas e Informações, p. A3

A mais recente fornada de números sobre o estado do ensino fundamental e médio no Brasil confirma o que de há muito se sabe sobre o descalabro da educação no País. É uma amarga ironia: o desempenho dos alunos piorou de forma assustadora nos 10 anos em que, com erros e acertos, três sucessivos governos, os dois de Fernando Henrique e o primeiro de Lula, fizeram provavelmente mais do que quaisquer outros para ampliar o acesso à escola e criar mecanismos institucionais para o aperfeiçoamento e a remuneração do professorado ¿ o protagonista central do sistema. Argumenta-se que o fato de as crianças e jovens matriculados em 2005 saberem menos do que os de 1995 se deve sobretudo à explosão das matrículas no decorrer do período. O processo educacional ¿ a oferta de conhecimento básico ¿ simplesmente não conseguiu acompanhar o aumento exponencial da demanda.

Mesmo que isso fosse pura verdade, não justifica nem consola. A questão da qualidade do ensino já inquietava os educadores antes até da concepção e o desencadeamento de políticas destinadas a expandir no menor período possível a população matriculada nas faixas de 7 a 14 anos, nos antigos cursos primário e ginasial, e de 15 a 17 anos, no antigo curso colegial. Tanto assim que a busca da expansão da massa estudantil se fez acompanhar de um esforço, até então inédito em âmbito nacional ¿ e contra toda sorte de resistências ¿, de avaliação sistemática da competência da escola, pelo critério último dos conhecimentos de português e matemática adquiridos pelo aluno, evidenciados em momentos decisivos da sua trajetória: na 4ª e 8ª séries do ensino fundamental e no 3º e derradeiro ano do ensino médio. O drama é que as redes escolares não estudam nem aplicam as lições embutidas nos números desacorçoantes do principal desses testes, o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).

Isso porque o governo federal pode tomar a temperatura do processo de ensino e aprendizagem com termômetros os mais sensíveis; pode estabelecer as linhas mestras da política para o setor, dialogando com os entes federativos; pode definir, recorrendo ao saber e à experiência dos especialistas em pedagogia, parâmetros curriculares aplicáveis em todo o País; pode elevar o gasto com a educação básica e intermediária além das transferências constitucionais já instituídas; e pode, enfim, cuidar ao extremo para que cada real aplicado chegue efetivamente aonde deve chegar ¿ à sala de aula.

No entanto, mesmo que cumpra com distinção e louvor todas essas atividades que lhe competem, não pode se substituir aos Estados e municípios na gestão efetiva do sistema. O boletim do Saeb os reprova inequivocamente nessa matéria. Difícil explicar de outro modo o fato de ter se verificado em São Paulo ¿ logo onde ¿ a pior queda nas notas médias da 8ª série entre 1995 e 2005.

Quando contingentes inteiros de estudantes vão mal, há algo profundamente errado com a gestão do capital mais precioso de qualquer escola e rede educativa: os seus professores. Ninguém ignora que a baixa capacitação do magistério público em geral, mesmo no mais rico Estado brasileiro, é o resultado de décadas de perda de status da profissão de ensinar: a tal ponto sucessivos governos, com a aquiescência da sociedade, negligenciaram o professor, na paga, nas condições de trabalho e no seu preparo, que não há exagero em dizer que a atividade de lecionar para crianças e adolescentes se proletarizou, com todas as conseqüências imagináveis disso para a mentalidade dos proletarizados, o seu desempenho em aula e o seu interesse em se manter permanentemente atualizado. A remuneração média do professorado vem melhorando. Ainda assim, os incentivos para a carreira no setor público continuam muito aquém dos que atraem a elite das faculdades de educação para a escola particular.

Em contraste com esta, a gestão da escola pública típica tampouco dá conta de engajar no processo as famílias dos estudantes. À parte quaisquer outros fatores, a diferença de rendimento entre dois alunos pobres depende do grau de participação dos pais na vida escolar. Em suma, a batalha pela qualidade do ensino, para ser vitoriosa ¿ e pode ser vitoriosa ¿, tem de transcorrer o mais perto possível da sala de aula.