Título: Como encher o plenário de boas intenções
Autor: Moraes, Marcelo de
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/02/2007, Nacional, p. A12

Primeira semana é assim. Novas regras, boas intenções, promessas de rigor na cobrança de presença dos parlamentares. Para os novatos, é tempo de discursos de apresentação e agradecimento pelos votos. Entre segunda e sexta-feira, na semana inaugural de trabalho da nova Câmara, foram 168 pronunciamentos. O mais rumoroso, claro, foi o do estilista Clodovil Hernandes (SP), do pequeno PTC. Marinheiro de primeira viagem, subiu à tribuna para discursar e queria atenção. Ou, pelo menos, silêncio. Os colegas, como sempre alheios ao discurso, conversavam, riam, cochichavam. 'Parece um mercado', reclamou o orador. Interrompido pelo presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), porque já tinha excedido o tempo regulamentar, Clodovil chamou-o de mal-educado. Uma estréia conturbada.

'Há quanto tempo você não vê a Casa cheia desse jeito numa quinta-feira?', surpreendeu-se o deputado Mário Negromonte (BA), veterano de quatro mandatos e líder da bancada do PP. A presença registrada de 462 deputados era resultado de uma medida adotada por Chinaglia. Às quintas-feiras, as votações passaram da manhã para a tarde. Com isso, o enorme Salão Verde, por onde circulam parlamentares, assessores, jornalistas, turistas e papagaios-de-pirata de todos os tipos, estava lotado naquele fim de tarde, na primeira semana de trabalho da nova legislatura. Em outros tempos, estaria deserto.

Nos três dias de votação, entre terça e quinta-feira, os deputados compareceram em peso. Não os 513, como no dia da posse, mas 455 no primeiro dia, 486 no segundo e 462 no terceiro. O plenário tem menos cadeiras do que o número de deputados. Não importa, muito poucos ficam sentados. Eles circulam o tempo todo, entram e saem, vão ao cafezinho. Fumantes como Ciro Gomes (PSB-CE) e José Genoino (PT-SP), entre muitos outros, concentram-se no quadradinho envidraçado reservado para eles, numa sala onde antes ficava uma mesa de lanche para os parlamentares.

É a turma da fumaça. O ambiente, absolutamente insalubre.

O brochinho na lapela identifica os deputados. Dos mais conhecidos, como ex-prefeito Paulo Maluf (PP-SP) e o cantor Frank Aguiar (PTB-SP), ao recém-chegado Lindomar Garçon (PV-RO), ex-prefeito de Candeias do Jamari que adotou a profissão como nome de guerra na política.

'Companheiro de primeira viagem se perde nos corredores', reconheceu Paulo Pereira da Silva, o Paulinho (PDT-SP), veterano no sindicalismo, mas calouro na vida parlamentar. Paulinho estava numa reunião do bloco formado por PDT, PSB e PCdoB. Na mesma reunião, outro novato, o ex-prefeito de São Vicente Márcio França (PSB-SP), fez piada: 'Aqui todo deputado antes de falar qualquer coisa diz 'pela oportunidade'. Então, vou começar assim. Pela oportunidade...'

Em apenas cinco dias, foram apresentados na Câmara 98 projetos de lei, 170 requerimentos e 32 indicações ao Poder Executivo. E quase 700 emendas ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a prioridade absoluta do governo federal.

Não foram só as sessões que agitaram a primeira semana da nova legislatura. Os deputados negociaram cargos nas comissões permanentes da Câmara, cobiçadas pela importância dos presidentes, pelos cargos em comissão, pela prerrogativa de convidar e até convocar ministros. A divisão das comissões foi uma confusão. Partidos como o PT tiveram de ceder espaço para honrar compromissos ainda do tempo da campanha pela presidência da Câmara. Deputados saíram protestando por não terem conseguido um lugar na comissão que queriam. Blocos partidários formados para garantir mais vagas foram desfeitos antes mesmo de a divisão ser concluída. 'Já morreu, não existe mais', resumiu o líder do PPS, Fernando Coruja (SC), sobre o bloco formado por seu partido mais o PSDB e o PFL.

Ainda discreto na volta ao Congresso, depois do prestígio de ter sido um dos mais importantes ministros do governo Lula e da saída desgastante por causa do envolvimento no escândalo da quebra de sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, o ex-comandante da economia Antonio Palocci mostra humildade quando questionado sobre o seu papel na Comissão de Finanças: 'Se tiver uma vaguinha para mim, eu aceito.'

No Senado, a sensação foi a volta do ex-presidente Fernando Collor de Melo (PTB-AL). Foi a mesma Casa que cassou seus direitos políticos por oito anos, em 1992. Eleito, foi cumprimentado por todos os colegas, da petista Ideli Salvatti (SC) ao antigo aliado Renan Calheiros (PMDB-AL) - que, na solenidade de posse, cometeu o que foi interpretado como um ato falho ao pular o nome de Collor na leitura da lista dos nomes dos recém-chegados.

Eleito pelo PRTB, Collor se bandeou para o PTB na primeira semana da legislatura. O senador promete nitroglicerina pura para o mês que vem. Garante que, no primeiro discurso em plenário, vai contar sua versão da crise que o tirou do governo. Um golpe, na visão do senador.

Com apenas uma semana de trabalho, é impossível apontar os parlamentares que se destacarão pela atuação parlamentar, pela excentricidade, pelos discursos inflamados ou por envolvimento em algum escândalo. Por enquanto, na Câmara, há apenas uma certeza: aos 46 anos, a capixaba Rita Camata (PMDB) arranca muito mais suspiros dos nobres deputados do que Manuela D'Ávila (RS), de 25, a musa do PCdoB.