Título: As três faces da Rússia e o ritmo rumo à democracia
Autor: Friedman, Thomas
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/02/2007, Internacional, p. A19
A Rússia de hoje precisa ser descrita por três lados. Por um lado, não se pode mais chamar o governo de Vladimir Putin de democrático, do jeito como neutralizou o Parlamento, intimidou ou assumiu parte da imprensa, subordinou o Judiciário e estendeu seu controle sobre as principais empresas de energia.
Pelo outro lado, a inquietação que acompanhou a primeira tentativa de democracia de Boris Yeltsin (1991 a 1999), após o colapso do comunismo, deixou muitos aqui carentes de líder forte, economia estável e lojas com bens de consumo ocidentais. Putin é popular por esses motivos.
Pelo terceiro lado, embora a Rússia de hoje seja uma colcha de retalhos de czares do capitalismo, mafiosos, nacionalistas e democratas aspirantes, não é a URSS totalitária. Tem mais que o toque de autoritarismo da França de De Gaulle e muito da corrupção e confusão da Itália pós-guerra, quando saíram da 2ª Guerra como democracias menos que perfeitas.
Hoje, França e Itália ajudam a ancorar a Europa Ocidental. Seus governos pós-guerra criaram o contexto para que o agente da mudança atingisse a maioridade (o que levou 21 anos e 9 meses), ou seja, uma geração criada com mercado e política livres. Ainda acho que a Rússia seguirá caminho semelhante. No seu devido tempo. 'Posso ver a ascensão da classe média. Quando chegaremos lá, eu não sei. Mas chegaremos, provavelmente não com a rapidez que me permita viver isso', disse Boris Makarenko, 47 anos, vice-diretor do Centro de Tecnologias Políticas da Rússia.
O ritmo de crescimento da democratização deve depender muito de três aspectos. Um é se a classe média emergente vai ficar tão preocupada com ganhos materiais - graças ao efeito cascata dos altos preços do petróleo e do gás - e desligar-se da política. Outro é o gene do nacionalismo russo, que pode reaparecer e atrapalhar. O terceiro é o preço do petróleo e do gás: quando eles caem, o ritmo da liberdade aumenta, pois a Rússia precisa abrir-se mais ao mundo e habilitar seu povo a ir em frente; quando eles sobem, o ritmo da liberdade cai, pois o país consegue sobreviver perfurando poços de petróleo sem libertar o povo.
'A pergunta para vocês, americanos, é: 'Quando o preço do petróleo vai cair?' É a única esperança para os democratas russos', diz Vladimir Ryjokov, político liberal do Parlamento russo.