Título: Cristina é trunfo político de Kirchner
Autor: Guimarães, Marina
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/02/2007, Internacional, p. A20

O presidente argentino Néstor Kirchner vive a contradição de ser o único presidente a chegar ao fim de seu mandato de quatro anos com mais de 60% de aprovação e ter dúvidas se será candidato à reeleição. Com um projeto ambicioso de concentração de poder, ele está apostando na candidatura de sua mulher, a senadora Cristina Fernández de Kirchner, numa tentativa de evitar o desgaste típico de um segundo mandato, sem perder o controle da Casa Rosada.

¿O plano de Kirchner é voltar a se candidatar em 2011 e, em seguida, tentar a reeleição, conseguindo perpetuar-se no poder¿, diz o cientista político argentino Hugo Haime, diretor-executivo de uma consultoria que leva o seu nome.

São cada vez mais fortes os indícios de que Cristina, de 53 anos, será a candidata oficial nas eleições de outubro, apesar dos níveis de popularidade de seu marido, eleito em abril de 2003, lhe garantirem uma vitória ainda no primeiro turno.

¿Kirchner está convencido de que a primeira-dama poderia ser a melhor opção para aprofundar o movimento que está fundando dentro do Partido Justicialista: o kirchnerismo, uma facção à esquerda do peronismo¿, explica Haime.

O cientista político reconhece que a aposta de Kirchner tem um risco, pois a gestão de Cristina poderia não ter tanto sucesso como a sua, que se beneficiou de um índice de crescimento econômico de 9% ao ano em média. ¿Mas, no momento, essa estratégia parece ter grandes chances de dar certo¿, afirma o cientista político Carlos Fara. ¿O povo argentino admira Cristina quase da mesma forma que Kirchner¿, diz.

De acordo com pesquisas recentes, Cristina detém 50% das intenções de voto - apenas 10 pontos percentuais a menos que o presidente. Muito abaixo, aparece o deputado do partido Proposta Republicana (PRO) Maurício Macri (presidente do clube de futebol Boca Juniors), com cerca de 10%; seguido por Elisa Carrió, do partido Alternativa por uma República de Iguais (ARI), com 8%. O ex-ministro de Economia Roberto Lavagna aparece nas pesquisas com apenas 4% da preferência do eleitorado.

¿Nenhum presidente argentino deixou o governo com uma imagem tão positiva¿, diz Fara. ¿Isso cria um antecedente importante em favor de Kirchner, e o presidente não quer submeter o seu poder e sua imagem ao desgaste que costuma marcar o segundo mandato presidencial em todas as partes do mundo¿, completa.

TESTE PÚBLICO

Com o cenário para a candidatura de Cristina tão favorável, a grande dúvida é por que o presidente está demorando tanto para oficializá-la. Para os analistas, Kirchner e seus aliados estão testando a imagem da primeira-dama e analisando as reações da população às suas crescentes aparições na mídia.

O presidente tem até o final de junho ou meados de julho para decidir se entra ou não na disputa. Até lá, o ideal seria que a popularidade de Cristina subisse a ponto de lhe garantir uma vitória logo no primeiro turno das eleições.

¿Kirchner não tem pressa de tomar sua decisão porque, de qualquer forma, todas as pesquisas dão a vitória a ele ou a sua mulher¿, explica Haime. ¿Quem tem de se definir e se articular o mais rápido possível é a pulverizada oposição, que até agora não tem nenhuma candidatura forte.¿

Lavagna é ligado à União Cívica Radical (UCR ), do ex-presidente Raúl Alfonsín. Especula-se que seu partido estaria negociando com o PRO, de Macri, o lançamento de uma candidatura única, o que fortaleceria o segundo posto na briga eleitoral.

A escolha de Kirchner também dependerá da estratégia adotada pela oposição e da sua capacidade de reação nas pesquisas. Enquanto observa seus adversários, o presidente tem investido na candidatura de Cristina. ¿Kirchner está assessorando sua mulher para ajudá-la a cair de vez no gosto da população argentina¿, afirma o cientista político Haime.

Na sexta-feira, Cristina concluiu a viagem internacional que marcou o lançamento de sua imagem como candidata. Imitando a mitológica primeira-dama Eva Perón, a esposa de Kirchner passou quatro dias em Paris, em missão oficial, acompanhada do chanceler Jorge Taiana e do porta-voz da Casa Rosada, Miguel Núñez.

EXPOSIÇÃO NA MÍDIA

Milimetricamente programada para ocupar as capas de todos os jornais locais, a agenda da senadora incluiu até uma visita à seleção argentina de futebol antes do amistoso com a França.

Cristina ganhou a camiseta número 10 com o seu nome e aproveitou para conquistar a simpatia dos eleitores amantes do futebol - o que não são poucos, tratando-se de Argentina. No final, ainda se gabou por ter ¿dado sorte¿ à seleção nacional, que venceu o jogo por 1x0.

Mas nem tudo saiu às mil maravilhas. Durante a viagem, a senadora cometeu a gafe de comparar a ditadura argentina, que deixou 30 mil desaparecidos, com os milhões exterminados pelo ditador nazista Adolf Hitler, na 2ª Guerra.

A comparação desproporcional foi mal recebida pela comunidade judia da Argentina, uma das maiores do mundo fora de Israel, que não poupou críticas à senadora.