Título: China espalha veneno por todos os cantos do planeta
Autor: Sant'Anna, Lourival
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/02/2007, Metrópole, p. C1

A nuvem de poeira era difícil de notar do chão, mas de uma altitude de 10 mil metros os cientistas puderam ver a gigantesca massa de ozônio, poeira e fuligem a olho nu. Num avião especialmente equipado, que decolou do aeroporto de Munique, eles examinaram a mistura amarronzada que se estendia por todo caminho da Alemanha até o Mar Mediterrâneo.

Esses tipos de nuvem flutuam sobre a Europa durante boa parte do ano, e elas viajaram muito para chegar lá. Analisando a composição das partículas da nuvem, cientistas europeus conseguiram identificar sua origem. ¿Havia muita coisa da China ali¿, diz Andreas Stohl, de 38 anos, do Instituto Norueguês de Pesquisa do Ar.

Cerca de 12 mil quilômetros a oeste, Steven Cliff sobe penosamente o Monte Tamalpais, perto de São Francisco, no seu trailer. O pesquisador instalou no veículo um instrumento capaz de medir o ar asiático que cruza o Oceano Pacífico até os Estados Unidos.

Feitas as medições e de volta ao seu laboratório na Universidade da Califórnia em Davis, Cliff analisou as origens da poluição do ar. Segundo a ¿assinatura química¿ das partículas, a maioria veio da China, de usinas elétricas a carvão, de fundições e fábricas químicas e dos escapamentos de carros e caminhões movidos a diesel.

Mas não são somente areia e cinzas que a China está expelindo para a atmosfera. As fábricas e usinas de energia do país estão emitindo mais dióxido de enxofre e dióxido de carbono do que a Europa, embora a aquecida economia chinesa produza apenas uma fração do produto interno bruto das velhas nações industrializadas. Entre 2000 e 2005, as emissões de enxofre da China cresceram 26 milhões de toneladas. Em poucos anos, o país superará os EUA, tornando-se o maior produtor mundial de dióxido de carbono.

O especialista americano em energia James Brock pode ver o céu cheio de fumaça de seu escritório em Pequim. ¿Atualmente, cada chinês consome apenas um quinto da energia que um americano consome¿, diz ele. Quando a China atingir os níveis de vida ocidentais, cada habitante do país consumirá muito mais do que agora. Qual será o efeito no ambiente se o Partido Comunista chinês honrar sua propaganda de espalhar uma ¿prosperidade modesta¿ a tantos cidadãos quanto possível em 2020? Será que a natureza poderá suportar a tensão quando o número de famílias com máquinas de lavar, secadoras, aparelhos de ar-condicionado e carros crescer de 100 milhões para meio bilhão?

FÁBRICA PERIGOSA

Para alimentar seu apetite por energia, a China está construindo apressadamente usinas de eletricidade a carvão. O carvão é um forte poluidor do ar, mas os líderes chineses vêem poucas alternativas a um recurso sujo que é amplamente disponível em todo o país. Cerca de 69% de todas as usinas de energia chinesas são movidas a carvão. A China consumiu 2,1 bilhões de toneladas dele em 2004 - mais que os Estados Unidos, a União Européia e o Japão juntos.

A China abriga 16 das 20 cidades mais sujas do mundo. Calcula-se que a respiração de ar poluído mate 400 mil chineses por ano. Metade das 696 cidades e condados da China sofre com a chuva ácida. Dois terços de seus principais rios e lagos são latrinas e mais de 340 milhões de pessoas não têm acesso a água potável.

Políticos e cientistas chineses estão começando lentamente a reconhecer o caminho de destruição da revolução industrial chinesa e a se dar conta dos danos que a economia do país está causando à ecologia. Especialistas como Pan Yue, o vice-ministro da Administração Estatal de Proteção Ambiental, já temem que a poluição comprometa o crescimento econômico dos últimos anos.

O primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, também tem suavizado a agressão ao ambiente do país procurando promover um ¿crescimento sustentável¿, que inclui um ambicioso programa nuclear. Pelo menos dez novas usinas nucleares deverão ser construídas até 2020 - porém, a liderança comunista não diz o que fará com o lixo radioativo. Pequim também deseja que pelo menos 10% das necessidades energéticas do país sejam atendidas por fontes renováveis, como energia solar, eólica e outras.

Mas os anúncios ficam muito aquém do necessário. E, a despeito das boas intenções, os membros do Partido Comunista não fazem segredo de que suas metas mais importantes são as que garantirão sua permanência no poder: elevar o nível de vida dos chineses e reduzir a distância entre ricos e pobres no país.