Título: O Fórum que nasceu torto
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Fonte: O Estado de São Paulo, 14/02/2007, Notas e Informações, p. A3

Começou mal o Fórum Nacional da Previdência Social, instalado com a proibição explícita de fazer qualquer coisa útil para a atual geração de brasileiros. 'Guido', disse o presidente ao ministro da Fazenda, 'você, que é um homem do Tesouro, pode ficar tranqüilo que no debate daqui sairá uma proposta que vai deixar o futuro ministro da Fazenda, daqui a uns 30 anos, feliz da vida, porque não vai ter problemas na Previdência como você tem hoje.' Não se sabe com que estado de espírito o ministro Guido Mantega deixou a reunião, mas os brasileiros sensatos e informados ganharam mais uma porção de motivos para se preocupar. Num único chorrilho de palavras, no fecho de um longo discurso, o presidente Lula reconheceu que o governo tem hoje problemas com a Previdência e prometeu soluções para daqui a 30 anos. Pelos cálculos correntes, aqueles 'problemas', só no setor privado, correspondem a uns R$ 42 bilhões anuais e tendem a crescer. Se há um buraco, deve ser do Tesouro, tem dito o presidente, sem levar em conta que o dinheiro gasto deve sair de algum lugar. Disso não se tratou na alegre cerimônia de instalação do Fórum, formado por nove representantes de centrais sindicais, cinco de entidades patronais e seis do governo federal.

'O dado concreto', disse o presidente, 'é que a Previdência Social brasileira é uma previdência inclusiva, uma previdência que a gente não pode ficar analisando apenas se arrecada cento e tantos bilhões e gasta cento e tantos bilhões.' Esses gastos, é claro, geram benefícios para uma porção de pobres e provavelmente para alguns não tão pobres, mas admita-se, para argumentar, que todos estejam de acordo com a distribuição dessas verbas. Isso não elimina, exceto no pensamento do presidente e de alguns de seus auxiliares, uma questão elementar: ou se cortam outras despesas para dar espaço a essas pensões e aposentadorias ou se aumentam impostos para fechar as contas do Tesouro.

Aparentemente, os gurus do presidente só lhe falaram sobre a primeira parte da tese: o problema, parte da política social, é do Tesouro, não da Previdência. Ainda não tocaram na segunda parte - como arranjar dinheiro para sustentar essa política. O Plano de Simplificação de Inclusão Previdenciária, destinado a regularizar a situação de trabalhadores com renda mensal de até um salário mínimo, obviamente não é a resposta, embora possa contribuir para o aumento da receita.

O presidente Lula apenas tocou de raspão num problema atuarial importante, ao admitir que talvez tenha alguma relevância a idade mínima de aposentadoria. 'As pessoas acham que o trabalhador se aposenta muito cedo e eu acho que tem trabalhador que poderia trabalhar um pouco mais', concedeu o presidente, mas sem se comprometer com uma proposta de mudança. É preciso, acrescentou, lembrar que alguns começam a trabalhar aos 14 anos e até antes, assim como há os que trabalham numa fundição e outros que desfrutam de ar condicionado. Além disso, há o trabalho escravo e, por causa disso, 'de vez em quando a gente vê o Ministério do Trabalho mandando prender gente por aí'. Qual a relação entre a exploração do trabalho escravo, um crime catalogado no Código Penal, e o regime da Previdência é certamente um mistério, mas é um desafio estimulante percorrer os labirintos do pensamento presidencial.

O Fórum deverá trabalhar com liberdade, segundo Lula, e só deverá rejeitar soluções simplistas. Entre essas soluções, presumivelmente, incluem-se aquelas baseadas em ninharias como a aritmética e os cálculos atuariais. 'Vamos juntar quem de direito neste país e vamos fazer, primeiro, um diagnóstico perfeito e nós vamos ter um diagnóstico perfeito', prometeu o presidente, dando uma demonstração de como se pode pensar com profundidade.

Mas o simplismo também se manifesta, de acordo com a crítica presidencial, nas acusações de fraudes. Rouba-se a Previdência? 'Menos do que parece', garantiu o presidente. 'E o censo que estamos fazendo está mostrando isso, um censo de causar inveja a qualquer censo já feito na história deste país.' Se alguém estava sentindo falta do 'nunca antes na história', pode tranqüilizar-se.

Para que o desânimo não seja total, fica a promessa de Lula de não voltar a falar no assunto, mandando quem o procurar para isso ir falar com os membros do Fórum.