Título: Um passo na via da não-proliferação. Mas ainda falta o Irã
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Fonte: O Estado de São Paulo, 14/02/2007, Internacional, p. A11

A Coréia do Norte, esse país miserável, caprichoso, um dos últimos bastiões stalinistas do planeta, concordou em desativar seu reator nuclear de Yongbyon. Mas não sem ranger os dentes.

Se o acordo de Pequim se mantiver, será o fim de uma maratona de 13 anos para conjurar o perigo mortal que é o arsenal nuclear norte-coreano. E uma etapa - embora não decisiva - na luta desesperada que o mundo empreende desde 1960 para conter a proliferação nuclear.

Cinco países possuem a bomba: EUA, Grã-Bretanha, França, Rússia e China. Outros países, mais ou menos confiáveis, também se dotaram de arma atômica: Índia, Paquistão e Israel. Dois outros pelo menos já congelaram seus programas nucleares: África do Sul e Brasil. Dois, na categoria de ¿estados renegados¿, trabalham sem descanso para se armar: Irã e Coréia do Norte.

Se um deles aceita renunciar ao programa nuclear, esse então seria o fim de um longo processo. Em 1994, a Coréia do Norte prometeu aos EUA congelar seu programa atômico, mediante garantias de segurança e o fornecimento de 500.000 toneladas de combustível. A calmaria durou pouco. Em 2002, Bush anunciou que Pyongyang prosseguia com seu programa.

Fica uma pergunta: já que o acordo de 1994 foi quebrado pela Coréia do Norte, não é caso de se temer que o de ontem também seja rompido pelo lunático e inquietante Kim Jong-il? Em primeiro lugar, as garantias obtidas terça-feira pela Coréia do Norte são bem mais vantajosas do que em 1994. Em troca da desativação de Yongbyon, e depois de todas as instalações, o país receberá um milhão de toneladas de combustível por ano e um milhão de quilowatts de eletricidade. Americanos e japoneses, na segunda-feira declararam que o preço era exorbitante. Mas na noite do mesmo dia acabaram aceitando.

Em segundo lugar, a Coréia do Norte negociou desta vez com cinco grandes potências - entre elas a China, que exerce sobre ela forte influência. Além disso, a situação interna do país é abominável. Com um regime centralizador, e castigado por uma miséria sórdida, o país está encurralado. A ajuda prometida pelos cinco é o seu único escudo contra o caos. Se o acordo for respeitado, será um imenso passo rumo à não-proliferação. Mas a vitória não está garantida já que o Irã, continua a desenvolver seu programa.

Os iranianos são astutos. Enviam mensagens que se contradizem de mulá em mulá e da noite para o dia. Sob esse exercício de retórica, a ameaça continua. A ONU esbraveja. Os europeus que há quatro anos negociam com Teerã, preferindo a moderação a uma ação mais abrupta, privilegiada pelos EUA, também nada conseguiram.

Os americanos, que jamais acreditaram na abordagem pacífica da União Européia, estão exasperados. Sua paciência com o Irã, e também com os europeus, está no fim.

A via oferecida aos europeus é estreita. Se persistirem, correm o risco de duas desgraças: primeiro, aceitar que o Irã se torne, de fato, uma potência nuclear. E, em seguida, podem impelir os EUA a bombardearem o Irã, com o risco de incendiar todo o Oriente Médio, já esgotado pela tragédia do Iraque.