Título: A revanche de Vladimir Putin
Autor: Friedman, Thomas
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/02/2007, Internacional, p. A17

Especialistas em política externa ainda vêm tentando analisar a explosão, no fim de semana, de Vladimir Putin contra os Estados Unidos, que descreveu como um país irracional que ¿ultrapassou os limites de suas fronteiras nacionais em todas as áreas¿. Mas em vez de perguntarmos o que motivou Putin a atacar os Estados Unidos deste modo, a questão a ser levantada é a seguinte: por que observações como essas repercutem tão bem hoje na Rússia? Acabei de retornar de Moscou e posso dizer a você o que analistas russos me disseram, até mesmo do que liberais russos me lembraram: da expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

Não devemos ter ilusões. Depois do fim da Guerra Fria e da dissolução do Pacto de Varsóvia, em 1991, as administrações Bush pai e Clinton decidiram formar uma nova aliança de segurança - uma Otan mais ampla - mas sem a Rússia como membro.

Não podemos nos esquecer que a Rússia que foi deixada de lado era a Rússia de Boris Yeltsin e seus companheiros reformistas. Eles alertaram na ocasião que consideravam isso uma humilhação. Mas os membros do governo Clinton nos disseram : ¿Não se preocupem. A Rússia é um país enfraquecido; vai ser difícil de engolir, mas Yeltsin acabará aceitando a expansão da Otan. Não haverá nenhum custo.¿

Assim, em 1997, Hungria, Polônia e República Checa foram convidadas a aderir à Otan, seguidas pela Bulgária, Letônia, Estônia, Lituânia, Romênia, Eslováquia e Eslovênia em 2002. Mais recentemente fala-se que Ucrânia e Geórgia também entrarão para a aliança.

Acredito que uma das razões pelas quais Putin, ex-funcionário da KGB e combatente da Guerra Fria, chegou ao poder depois de Yeltsin foram as vibrações negativas decorrentes da expansão da Otan.

Nós dissemos à Rússia: reprima o seu orgulho, este é um novo mundo.

Conseguimos criar esferas de influência e vocês, não - e os nossos seguirão diretamente até a sua porta da frente.

Mas agora que os altos preços do gás e do petróleo tornaram a Rússia um país novamente poderoso, Putin nos coloca de novo diante do orgulho russo renascido. Na verdade, está dizendo para a América: ¿Ah, vocês estão falando comigo? Pensaram que poderiam me dizer que a Guerra Fria acabou e que a expansão da Otan não foi direcionada à Rússia? Acham realmente que iríamos acreditar nisso? Bem, agora eu lhes digo: `Saiam da nossa frente¿.¿

Putin foi um pouco mais diplomático quando fez suas observações em Munique, ao dizer que ¿o processo de expansão da Otan nada tem a ver com a modernização da aliança. Temos o direito de perguntar: `Contra quem esta expansão é direcionada?¿ Nós todos sabemos a resposta: é direcionada contra a Rússia.¿

Ok, muito bem, estamos dispostos a a encolerizar a Rússia para ampliar a Otan, porém o que obteremos com isso? O Exército checo? Para aqueles que, como nós, se opuseram à ampliação da Otan, a questão era simples: não existe um problema geopolítico de maior importância, especialmente no caso do Irã, que possa ser solucionado sem o auxílio da Rússia. Então, por que não agimos de modo a maximizar a disposição dos russos para trabalhar conosco e a fortalecer seus democratas, em de expandirmos a Otan para países que não podem nos ajudar, que não são mais ameaçados e cujas democracias estarão mais seguras se aderirem à União Européia?

Neste ponto, ouvi muita coisa dos russos. ¿A expansão da Otan não era necessária¿, disse-me Vladimir Ryzkhov, um dos últimos membros liberais da Duma (Parlamento russo) que faz críticas abertas ao governo de Putin. ¿No mundo atual a Rússia não representa um perigo militar para nenhum vizinho. Esse é um conceito errado. Vocês necessitam de uma outra arquitetura.¿

Aleksei Pushkov, que tem um programa de notícias de política externa na TV russa, disse-me: ¿A expansão da Otan foi uma mensagem para a Rússia de que estava isolada. Os russos ficaram descontentes, e se perguntaram, `a Guerra Fria terminou, então o que está acontecendo? Estão movendo a aliança militar para a fronteira da Rússia?¿.¿

¿Na época da expansão da Otan eu percorria o mundo dizendo `não façam isso ou, se o fizerem, suprimam os países bálticos, pois vocês estão perdendo a Rússia¿, acrescentou Pushkov. ¿E a resposta que obtive foi fantástica: `O que a Rússia pode fazer? Que medidas vocês podem adotar?¿ Eu respondi, `não podemos tomar nenhuma medida. Mas vocês estão perdendo um aliado¿.¿

Isso porque a psique russa mudou profundamente e hoje o que se pensa é que `eles estão prontos para explorar a fragilidade da Rússia. Não nos querem como um aliado mas como um parceiro inexperiente comportando-se como um cachorrinho, fazendo tudo o que mandarem¿.

Não estou aqui para defender um autocrata implacável como Putin. Mas o fato é que ajudamos a criar um estado de espírito na Rússia acolhedor para um guerreiro da Guerra Fria conservador , quando impusemos a Otan para um democrata liberal como Yeltsin. Foi uma péssima decisão que ainda se mantém. E no momento em que precisamos da Rússia o que temos é a sua revanche.