Título: Descoberto ponto fraco do HIV
Autor: Girardi, Giovana
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/02/2007, Vida&, p. A21

O HIV, vírus da aids, conhecido por sua capacidade de se mutar freqüentemente e assim driblar o sistema imunológico, também tem seu ponto fraco. E ele acaba de ser visualizado por uma equipe de cientistas americanos.

Pesquisadores da área já sabiam que a proteína gp120, presente na superfície do vírus, é estável. Ela é a responsável por se ligar às células humanas e infectá-las, e por isso não pode variar. Por conta disso, o vírus a protege até o último segundo, deixando-a exposta apenas quando ela vai se grudar em seu alvo. Ocorre que, neste momento, ela fica vulnerável ao ataque de um anticorpo específico, que pode neutralizar o HIV.

Agora, uma equipe liderada por Peter Kwong, do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, conseguiu registrar este momento de fragilidade com o uso de uma sofisticada técnica conhecida como cristalografia - uma espécie de raio X em nível molecular.

A descoberta, divulgada na edição de hoje da Nature, sugere que este pedaço do vírus pode funcionar como um verdadeiro calcanhar-de-aquiles do parasita e abrir caminho para o desenvolvimento de uma vacina contra a aids. E o melhor, este buraco nas defesas do HIV é comum a todas as variantes do vírus.

O que os pesquisadores perceberam é que, do mesmo modo que a gp120 se liga às células CD4 do nosso sistema imune como se uma fosse a chave e a outra a fechadura, ela também se gruda com a mesma precisão a um anticorpo conhecido como b12 - ele é um dos poucos anticorpos desenvolvidos até hoje que de fato consegue neutralizar o vírus, mas não se entendia muito bem como.

¿Uma das maiores dificuldades em desenvolver uma vacina é que ainda não estava claro se de fato havia um local em que o vírus poderia ser vulnerável a um anticorpo. Agora sabemos onde é. E o b12 atua justamente se ligando a esse ponto frágil¿, explica Kwong ao Estado.

¿Por anos, lutamos com uma triste realidade. Quanto mais aprendíamos sobre o vírus, mais percebíamos quantos níveis de defesa ele tem contra os ataques do sistema imune. Agora nosso trabalho mostra como o b12 é capaz de neutralizar o HIV. Identificamos um ponto de fragilidade onde vários cientistas podem focar agora para desenvolver uma vacina.¿

O pesquisador brasileiro Ernesto Marques Júnior, que trabalha no desenvolvimento de uma vacina contra o HIV no Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães, unidade da Fiocruz em Pernambuco (veja quadro acima), considerou a descoberta um grande avanço, mas lembra que ainda falta muito até chegarmos a uma vacina. ¿Eles realmente localizaram o tendão de Aquiles, agora acertar a flecha ali é outra história¿, ponderou.

Brasil tenta criar tratamento

Pesquisadores da Fiocruz de Pernambuco receberam uma verba de R$ 2 milhões do Ministério da Saúde para dar continuidade às pesquisas de desenvolvimento de uma vacina contra o HIV. Usando vírus inativos do próprio indivíduo infectado, associados às células dendríticas do sistema imune - as responsáveis por organizar a ação das demais -, eles já conseguiram reduzir em até 80% a presença do vírus em voluntários. No entanto, explica Ernesto Marques Júnior, nessa forma inicial a vacina é individualizada, o que não resolve o problema. Na segunda etapa da pesquisa, a equipe quer simplificar o processo, e ao mesmo tempo, torná-lo mais abrangente.