Título: Ligeiro avanço
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/02/2007, Notas e Informações, p. A3

Aqui já dissemos que não há como uma comoção pública, provocada por uma atrocidade contra uma inocente criança, possa deixar de mobilizar legisladores, levando-os a tornar mais rigorosa a lei penal, em defesa da sociedade. Não é que, só agora, venha à baila a frouxidão punitiva que sempre estimulou a impunidade.

Ao contrário, o País vive, há muito tempo, um tormento cotidiano no campo da segurança pública: violência crescente, crueldade cada vez maior dos facínoras, frieza e desrespeito profundo ao valor da vida humana. Por isso é que tragédias inomináveis, como a ocorrida com a família do menino João Hélio Fernandes, por sobre toda a indignação e revolta que despertam, têm apenas o condão de fazer vir à tona a imensa chaga social, às vezes obnubilada por tantas peripécias sem importância - do mundo público-político - que se espalham pela mídia. E às vezes essa emersão produz alguma mudança de rumo, um ligeiro avanço, mesmo que longe do suficiente.

Tendo vindo à discussão, nas Casas do Congresso, vários temas contidos em muitos projetos ¿engavetados¿, sobre o endurecimento da punição a praticantes de crimes hediondos, deputados federais aprovaram o aumento de rigor no cumprimento das penas. Em lugar de fazer jus à progressão, que lhe concede o regime semi-aberto (que lhe permite trabalhar fora durante o dia e só voltar para a cadeia à noite) depois de cumprido 1/6 da pena (16,6%), o condenado por crime hediondo só poderá obter esse benefício depois que tiver cumprido 3/5 (ou 40%) do tempo de reclusão a ele imposto pela Justiça.

Apesar de ser uma verdade incontestável desde o século 18 - pelos ensinamentos de Cesare Bonesana, marquês de Beccaria - que a eficácia intimidativa deriva mais da certeza do cumprimento da lei do que de seu rigor, sem dúvida a gritante desproporção entre a pena decretada e a efetivamente cumprida é um apelo estrondoso à impunidade.

Que mágica numerológica teria levado os legisladores brasileiros de ontem a transformar uma punição de 30 anos em outra de apenas 5? Por que 1/6 da pena - ou 16,6% dela - seria suficiente para saldar a culpa por um crime que merece seis vezes mais anos de prisão? Indague-se agora: o criminoso cumprir 40% de sua pena será suficiente? Longe disso. Ou 60%? Longe disso... Mas é claro que melhora um pouco.

Quanto aos reincidentes, o projeto agora aprovado na Câmara lhes concede a progressão para o semi-aberto depois de cumpridos 3/5 da pena (ou 60%). Quer dizer, o criminoso terá que cumprir um pouco mais da metade de sua pena para adquirir a liberdade... para delinqüir pela terceira vez. De novo, ligeiro avanço.

Outro projeto aprovado pela Câmara - devendo agora ir à apreciação do Senado, como o anterior - só surpreende por já não ter sido transformado em lei há muito tempo. Ninguém ignora que nas grandes rebeliões nos presídios e em guerras deflagradas pelo crime organizado, como a que sofreu a cidade de São Paulo - tragédia de muitos mortos -, tem sido instrumento fundamental o telefone celular usado pelos bandidos, especialmente líderes das facções criminosas, para, de dentro dos presídios, comandar a ação de seus operadores de fora, com ataques a delegacias, incêndios de ônibus, assassinatos de policiais, seqüestros, etc. Antes, o presidiário apanhado com um celular não podia sofrer punição especial, por falta de lei. Pela nova lei aprovada pela Câmara é considerada falta grave do detento o porte ou uso de celular ou aparelho de radiocomunicação. O preso flagrado com esses aparelhos terá dificuldades para obter benefícios, como indulto, liberdade provisória ou condicional.

Certamente deverá continuar, tanto na Câmara dos Deputados como no Senado, o exame e a discussão de projetos de mudança da lei penal, assim como de emendas constitucionais sobre o tema.

Ficou para o dia 28 a votação, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, do projeto sobre a diminuição da idade de imputabilidade penal - questão que a cada dia se torna mais relevante, dada a grande participação de menores nos piores crimes praticados no País nos últimos tempos.