Título: Artifício acaba com impasse do gás
Autor: Marin, Denise Chrispim e Goy, Leonardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/02/2007, Economia, p. B1

O presidente da Bolívia, Evo Morales, arrancou do Brasil um 'reajuste disfarçado' para o preço do gás natural que vende à Petrobrás. Na teoria, o preço de US$ 4,20 pago pelo Brasil pelo milhão de BTU (unidade térmica britânica), previsto em contrato, não foi alterado. Na prática, o País pagará mais. Pela regra anunciada ontem pelos dois governos, a Petrobrás deve arcar com um adicional - balizado por cotações internacionais - pelos componentes mais nobres contidos no gás, quando o produto chegar ao Brasil com um poder energético, maior do que um determinado limite.

Nas contas do ministro de Hidrocarbonetos da Bolívia, Carlos Villegas, essa mudança significará uma 'renda adicional' para seu país de US$ 100 milhões. O número foi contestado pelo governo brasileiro, que, no entanto, não forneceu uma estimativa precisa sobre o impacto do acordo nos preços.

Segundo fontes diplomáticas, a decisão de ceder na negociação com a Bolívia partiu do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, admitiu que o acordo, fechado depois de vários meses em que autoridades brasileiras deram declarações contrárias a qualquer aumento, teve um componente 'geopolítico'. 'Tínhamos de achar uma fórmula. A Bolívia é o país que tem a maior fronteira com o Brasil e não seria interessante que houvesse problemas internos no país.'

O acordo com Evo envolveu ainda o compromisso do governo Lula de tirar da gaveta o projeto de construção de um pólo gasoquímico na fronteira entre Mato Grosso do Sul e Santa Cruz de La Sierra, estimado em US$ 3 bilhões, com financiamento oficial brasileiro. Foi acertada ainda a construção de uma usina de biodiesel em Santa Cruz de La Sierra. O custo será de US$ 50 milhões, mas não há candidatos a tocar o projeto.

O acerto leva em conta que o volume diário de 26 milhões de BTU importado pela Petrobrás da Bolívia não engloba apenas o metano, o gás requerido pelas termelétricas e pelas caldeiras das indústrias. Também são transportados, nesse conjunto, componentes mais nobres, como etano, butano e propano (que formam o gás de cozinha) e gasolina natural, que têm poder calorífero superior a 8.900 quilocalorias por metro cúbico.

Segundo Rondeau, o acordo não afetará preço do metano, que continuará a seguir a fórmula prevista no contrato assinado nos anos 90 (reajustes trimestrais). Os gases mais nobres passarão a seguir a cotação diária do mercado internacional. Como o contrato diz que a Bolívia deve fornecer o insumo com 9.200 quilocarias por metro cúbico, a cotação internacional recairá sobre ao menos 300 quilocalorias por metro cúbico.

O aproveitamento econômico dos gases nobres depende da construção de uma separadora de gases pela Petrobrás. 'Esse gás mais rico tem valor de mercado', afirmou o presidente da companhia, Sérgio Gabrielli. 'A Petrobrás ainda não tem uso para isso. Mas pode vir a ter.'