Título: Lições pela metade
Autor: Carneiro, Dionísio Dias
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/02/2007, Economia, p. B2

A valorização do real tornou-se um visível incômodo para o governo. Uma evidência disso é que as sutilezas dão lugar à agressividade. Isso vale tanto para as críticas dos que não têm responsabilidade pelas decisões que afetam o câmbio, quanto para as ações dos que têm a responsabilidade pela política financeira. Exemplo da agressividade dos críticos foi a declaração do governador de São Paulo, José Serra. sobre a incompetência do Banco Central, a quem atribui ¿erro de economia¿. Partindo de um político com formação de economista, adquire importância. Mas é um exemplo de lição aprendida pela metade: o Comitê de Política Monetária (Copom) pode decidir diferentemente do que eu, você, o governador ou mesmo o presidente do Banco Central faríamos, mas uma das inovações que têm sido reconhecidas na profissão como progresso na condução da política monetária, por gerar menor turbulência, foi a substituição da decisão individual pela deliberação coletiva num comitê independente. Erro de economia seria ignorar hoje a História e dar a algum indivíduo a responsabilidade pela política monetária.

Exemplos da agressividade do Banco Central têm sido a aceleração das compras e os sinais de volta às operações nos mercados de futuros. Essa agressividade faz com que seja cada vez mais difícil acreditar-se que não haja valor de referência para a taxa de câmbio nominal. Em defesa de uma suposta pureza do regime de metas como sinalizador de valores nominais e guia para a fixação dos juros básicos, o Banco Central tem, como dever de ofício, de lembrar ao distinto público que não pode, ao mesmo tempo, fixar câmbio e juros e manter a economia financeiramente aberta. Mas não pode fingir que ignora o valor da taxa de câmbio nominal, pois todos os bancos centrais se preocupam, de forma cada vez mais explícita, com essa variável. Ignorar isso pode ser cômodo para lidar com a crítica incompetente e reafirmar a prioridade para a inflação na determinação dos juros, mas levar isso às últimas conseqüências mostraria que aprendemos mais uma lição pela metade: a variância da taxa de câmbio é tão importante quanto a variância dos juros, da inflação e do PIB nos objetivos da política monetária. E o Banco Central possui (e faz uso deles) outros instrumentos que não a taxa de juros para lidar com esses objetivos.

A oposição é oportunista. Explora o desconforto dos exportadores diante de um câmbio que se aprecia porque a moeda estrangeira se torna abundante. Por isso bate no câmbio, porque é mais cômodo do que bater nos gastos públicos, se não quiser assumir os ônus de limitar os gastos ¿sociais¿. Parece mais uma lição (política) aprendida pela metade: o controle fiscal praticado no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (mas não tanto no primeiro) pode ter contribuído para que o PT tomasse o poder. Mas a metade não aprendida foi que perseguir a estabilização permitiu a reeleição de FHC, além de dar à oposição não-petista o único discurso verdadeiramente modernizante do País: a privatização e as reformas tributária e trabalhista, essenciais para aumentar o crescimento.

Finalmente, Lula mostra que aprendeu uma lição quando afirma que ninguém o levará a abandonar a estabilidade e faz disso o fundamento para as apostas na continuidade da autonomia do Banco Central (BC). Mas a lição também parece ter sido aprendida pela metade. A liberdade do BC para fazer política monetária não garante a estabilidade se o regime fiscal estiver em deterioração. E esse é o calcanhar-de-aquiles da recuperação do crescimento. Gastos primários têm de ser contidos e sua trajetória tem de ser objeto de projeção convincente. Metas para o déficit primário foram úteis enquanto o problema era espantar o fantasma do crescimento exponencial da dívida pública. Descobertas as possibilidades do Leão de satisfazer o apetite por gastos, este pode tomar conta do galinheiro comendo as galinhas, mesmo as dos ovos de ouro, da poupança, do investimento, da geração de empregos e do incentivo à formação e ao crescimento das empresas. Essa é outra lição aprendida pela metade.