Título: Resistência caiu por ordem do presidente
Autor: Marin, Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/02/2007, Economia, p. B5

Evo Morales e sua delegação desembarcaram em Brasília, anteontem, dispostos a obter do Brasil a remuneração diferenciada para os gases nobres. Essa posição, em princípio, significou o abandono da reivindicação anterior da Bolívia - o aumento do preço do volume total do gás, hoje em cerca de US$ 4,20, para US$ 5 por milhão de BTUs (unidade térmica britânica, que mede o volume do produto), como constou do acordo de fornecimento que a Bolívia firmou com a Argentina em outubro de 2006. O suposto abrandamento do pleito boliviano, entretanto, não significará necessariamente menos desembolso para a Petrobrás.

As negociações se estenderam por 12 horas, anteontem, em sessões tanto no Itamaraty como no Palácio do Planalto. A resistência da Petrobrás e do Itamaraty somente cedeu quando, no início da noite, veio a ordem presidencial para que fosse aceita a fórmula apresentada pelo presidente boliviano. Para Lula, a solução desse dilema, que há nove meses trava as relações bilaterais, seria uma demonstração real da 'generosidade' do Brasil e abriria frentes para a maior presença brasileira na Bolívia - em contraposição à clara parceria de Evo Morales com Hugo Chávez, da Venezuela.

Também evitaria qualquer ameaça sobre o fornecimento de gás para o Brasil, com o início do abastecimento da Argentina a preços mais altos.

De fato, o acordo abriu margem para uma contrapartida - a regulamentação e o registro em cartório do contrato firmado pela Petrobrás com a Yacimientos Petrolíferos Fiscales de Bolívia (YPFB) em 28 de outubro passado. Esse contrato trouxe as novas regras para a presença da Petrobrás no país vizinho, em um ambiente de controle estatal da produção de gás, mas está engavetado há quatro meses. Sem essas regras em vigor, a Petrobrás atua numa espécie de limbo jurídico.

Até anteontem, entretanto, o governo brasileiro mantinha-se reticente à discussão política, em nível presidencial, sobre o preço do gás. Em várias ocasiões, autoridades brasileiras declararam que a questão seria decidida pela Petrobrás, em suas negociações com a YPFB. Essa atitude foi mantida até as 17 horas de quarta-feira, quando o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, reiterou essa definição aos jornalistas.

'O que mudou foi a ordem presidencial', afirmou uma fonte do governo ao Estado. O governo brasileiro teve ainda o cuidado de não vazar nenhuma informação sobre a nova proposta trazida por Evo Morales. O reajuste do preço do gás que abastece a TermoCuiabá, um tema menor dessa agenda, foi anunciado por meio de nota emitida pelo Ministério de Hidrocarbonetos, em La Paz, e forçou o Ministério de Minas e Energia a uma confirmação.

Às 21h45 de quarta, o anúncio do acordo foi adiado para as 9 horas de ontem. A medida atendeu claramente a uma estratégia de comunicação do Planalto - o recuo do governo brasileiro e a repercussão no Brasil acabaram estampados claramente apenas hoje, véspera do carnaval.