Título: Leis demais, processos demais
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Fonte: O Estado de São Paulo, 17/02/2007, Notas e Informações, p. A3
É de espantar que, num país onde mais de metade dos trabalhadores vive na informalidade ¿ sem a proteção da legislação e por isso sem a possibilidade de recorrer à Justiça do Trabalho ¿, sejam abertos cerca de 2 milhões de processos trabalhistas todo ano. Esse dado torna o Brasil o campeão mundial de ações trabalhistas, um título que só serve para mostrar como é incrivelmente mais complicado administrar os contratos de trabalho no Brasil do que no resto do mundo.
Nos países industrializados, como a informalidade é muito menor do que no Brasil, o número de trabalhadores protegidos pela legislação é proporcionalmente muito maior do que o de trabalhadores brasileiros. Em alguns casos, até em termos absolutos há mais trabalhadores formais nesses países do que no Brasil. Mesmo assim, como mostrou reportagem publicada segunda-feira no Estado, nos países industrializados a quantidade de ações trabalhistas é incomparavelmente menor. Nos Estados Unidos, por exemplo, o número de processos abertos anualmente não passa de 75 mil; na França, de 70 mil; e no Japão, de 2,5 mil.
Não é mera coincidência o fato de o Brasil ser também campeão mundial em outro aspecto das relações de trabalho. Estudo realizado há algum tempo pelas universidades Yale e Harvard, no qual se compararam as legislações trabalhistas de 85 países, concluiu que o Brasil é o recordista mundial na regulação do mercado. Aqui as leis são mais duras, as exigências maiores e as regras mais rígidas.
¿Quando vejo 2 milhões de ações na Justiça, começo a achar que há alguma inadequação na nossa lei, que não foi feita para um mundo moderno, globalizado¿, disse o ex-ministro do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Almir Pazzianotto. Para o ex-ministro, o número revela a banalização da Justiça do Trabalho.
É inegável que muitas vezes se abre processo trabalhista por motivos banais, porque a legislação permite isso. Mas esse talvez nem seja o pior defeito da legislação. Consolidada no início da década de 1940, a legislação trabalhista é antiquada, detalhista e incapaz de absorver as imensas transformações pelas quais passaram e vêm passando as relações de trabalho em todo o mundo.
Ao impor custos exagerados ¿ em alguns segmentos da economia, proibitivos ¿ para a empresa contratar ou demitir, ela estimula a informalidade, anomalia econômica e social que é também propiciada pela pesada carga tributária. A excessiva regulamentação, de sua parte, em lugar de propiciar ou favorecer a negociação nos casos em que há divergências entre empregado e empregador, força o conflito, que é levado à Justiça do Trabalho.
O custo é alto para o País. O contribuinte é chamado a sustentar uma enorme estrutura da Justiça do Trabalho, hoje formada por 1.364 varas espalhadas pelo País, tribunais regionais e o próprio TST. Mas nem essa estrutura imensa é capaz de dar conta de tantas ações. A marcação da primeira audiência demora vários meses. Quando não há acordo na primeira instância, os processos se arrastam por anos até a sentença final, o que gera dificuldades financeiras para o reclamante e incertezas ¿ e, no fim, despesas ¿ para as empresas.
As mudanças tecnológicas, o acirramento da competição em escala mundial, os novos desafios colocados pela integração dos mercados exigem das empresas a busca incessante de maior produtividade, agilidade nas decisões, capacidade de adaptação rápida a novas realidades. A legislação trabalhista brasileira é um obstáculo à modernização e ao ganho de eficiência das empresas.
A ampliação do espaço para a negociação que evite o recurso à Justiça do Trabalho seria boa para o trabalhador, para o empregador e para o contribuinte. O estabelecimento de regras mais adequadas para o mundo moderno tornaria menos tensas as relações entre empregados e empresas e adicionaria ganhos de produtividade que poderiam ser partilhados por ambos. Além disso, contribuiria decisivamente para a redução da informalidade no mercado de trabalho.
É por isso que a reforma trabalhista é urgente. Lamentavelmente, porém, o governo do PT, partido que por sua história deveria conhecer bem os problemas das relações trabalhistas no Brasil, parece não entender a questão desse modo.