Título: Lula: 'Ainda vão querer punir feto'
Autor: Oliveira, Clarissa
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/02/2007, Metrópole, p. C4

Em meio à comoção causada pela morte do menino João Hélio Fernandes, no dia 7, no Rio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez ontem em São Paulo um discurso inflamado contra a redução da maioridade penal. 'Eu fico imaginando que, se a gente aceitar a diminuição da idade para puni-los, para 16 anos, amanhã estarão pedindo para 15, depois para 9, depois para 10, quem sabe algum dia queiram punir até um feto se já soubermos o que vai acontecer no futuro', disse o presidente.

Lula esteve na capital para a inauguração da nova central de call center da Atento, empresa do Grupo Telefônica. Na solenidade, foi acompanhado pelo prefeito Gilberto Kassab, o vice-governador Alberto Goldman, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, senadores e deputados. Na platéia, estavam dezenas de jovens que conseguiram seu primeiro emprego na nova unidade da companhia, que vai gerar 6 mil empregos diretos.

Dirigindo-se a eles, Lula admitiu que muitas vezes as pessoas tendem a querer fazer 'justiça com as próprias mãos'. Ele destacou, entretanto, que é exatamente nesses momentos que a razão deve prevalecer. 'A gente fica imaginando se a gente estiver naquele lugar, naquele instante, se a gente pudesse fazer alguma coisa, o que é que a gente faria (com os assassinos de João Hélio). E certamente nós faríamos quase que a mesma barbaridade que ele fez com aquela criança', disse, referindo-se ao fato de os bandidos terem arrastado o corpo do menino num carro por 7 quilômetros. 'Vi muita gente querer vingança a curto prazo. Eu dizia: o Estado não pode reagir emocionalmente.'

O presidente atribuiu ao Estado brasileiro e a décadas sem crescimento econômico a responsabilidade pelo aumento da violência. Lembrou aos jovens presentes que nem todos têm a chance de encontrar um emprego. Para ele, uma geração inteira viveu sem o apoio de um desenvolvimento sólido do País. 'É muito importante lembrar que faz mais de 26 anos que a economia deste País não cresce o suficiente para gerar a quantidade de empregos e a distribuição de empregos que nós precisamos', disse Lula. 'E muitos desses jovens que hoje estão presos são jovens de 24 anos de idade, de 20 anos de idade, que na época do milagre brasileiro não tinham nascido ainda, que na década de 80 tinham 3, 4 anos de idade.'

Lula acrescentou que a responsabilidade por esse quadro deve ser repartida por toda a sociedade. 'A responsabilidade na verdade é de 190 milhões de habitantes, porque todos nós, direta ou indiretamente, temos um quezinho de responsabilidade pelo Brasil não ter dado no tempo certo as coisas que poderia ter dado', afirmou.

Lula aproveitou para retomar o discurso da campanha eleitoral e defendeu a necessidade de o Brasil dar um 'salto de qualidade'. Disse que levará acesso à internet em banda larga a todos os municípios, além de extensões universitárias e escolas técnicas a todas as cidades-pólo. Disse ainda que o governo concederá a universidades particulares o perdão de dívidas, em troca da concessão de bolsas de estudos. 'Se não tem dinheiro, paguem com uma bolsa. Nos entreguem de volta um doutor, nos entreguem de volta uma pessoa formada, que já está resolvido esse problema.'

Antes de discursar, Lula ouviu o depoimento de Penélope Corrêa, de 26 anos. Ela narrou sua trajetória da adolescência, quando perdeu o pai, até conseguir o primeiro emprego, na Atento. Hoje é gestora de clientes. 'Vim aqui dizer a vocês que a cara do Brasil não é aquele jovem que cometeu aquela barbaridade. A cara do Brasil são vocês', disse Lula. 'Este País está tendo mais uma chance. E todos vocês sabem que em raríssimos momentos da História neste País nós tivemos as condições de dar um salto de qualidade tão favorável como agora. Está tudo preparado.'