Título: 'Vivemos um quadro de denúncias açodadas'
Autor: Brandt, Ricardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/02/2007, Nacional, p. A8

O vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, é um defensor da tese de que a corte tem capacidade e estrutura para julgar ações penais contra políticos. 'O tribunal não pode virar uma câmara criminal, mas ele é o revisor de todas as questões criminais, porque é quem julga habeas-corpus em última instância.' Partidário da prerrogativa de foro, Mendes é um crítico feroz do que chama de 'excesso de ações descabidas'. Para ele, é o número elevado de ações penais contra parlamentares que prejudica o andamento dos processos.

'Nós vivemos num quadro de denúncias açodadas. É muito fácil produzir uma acusação contra alguém. Especialmente no quadro político. Veja o festival de ações de improbidade feitas na primeira instância. Muitas delas encomendadas por políticos que hoje estão sendo processados no Supremo. Isso era fácil de manejar. Ações que eram feitas em escritórios de advocacia', argumenta o ministro. 'Existem acusações ridículas, um excesso de acusações. Muitos querem ficar bem na imprensa, mas não querem saber como o caso terminou.'

Para Mendes, o levantamento que considera todos os processos julgados definitivamente pelo STF nos últimos dez anos está errado. 'Até 2001 dominava uma regra de que a abertura do processo dependia de uma licença de uma das Casas. Isso só mudou em 2001, a partir de lá, inverteu-se essa presunção. O processo anda e, se a Câmara entender que há algum tipo de manipulação ou injustiça, pode por maioria suspender o processo. O modelo anterior era o de reação ao poder dos militares', explica.

Segundo ele, o foro especial é uma garantia dada aos agentes políticos que precisa ser preservada. 'Não vejo alternativa. Pode ser que um dia, no futuro, num quadro de evolução cultural, isso possa ser mudado.' Segundo ele, o foro só é preocupante porque existe hoje 'uma massa de processos'.

O ministro afirma que a discussão sobre a prerrogativa de foro por função 'ganhou outro relevo porque multiplicaram as ações contra parlamentares'. 'Nós não temos precedente na vida independente do Brasil de tantas ações contra parlamentares. Houve os sanguessugas e o mensalão - é quase a acusação de uma delinqüência institucionalizada e sistêmica', observa Mendes. 'Antes, o que se apontava eram condutas isoladas, de um ou outro parlamentar.'

Ele lembra que, no caso dos sanguessugas, muitos processos voltarão às origens, porque a maioria dos parlamentares envolvidos não foi reeleita.

Mendes avalia que o STF tem sim estrutura adequada para julgar os processos criminais, mas vê o excesso de processos como um entrave. 'Estamos vivendo uma quadra singular na vida republicana do País. Em tempos normais, o tribunal daria conta dessas atividades.'

O ministro considera ainda que as críticas em relação aos processos que prescrevem são improcedentes. 'Processo penal prescreve em qualquer instância. Porque o caminho é muito longo. O sujeito recorre e vai até o Supremo. O direito a julgamento especial é uma tradição brasileira, vem desde o Império. Vem do contexto político não deixar as autoridades submetidas a impulsos voluntaristas', argumenta. 'O que não podemos é imaginar se daqui a seis anos vamos continuar tendo esse tipo de coisa.'