Título: Em 10 anos, STF não condenou nenhum político
Autor: Brandt, Ricardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/02/2007, Nacional, p. A8

O mandato parlamentar é garantia quase certa de uma vida sem complicações penais com a Justiça. É o que indicam os julgamentos dos últimos 10 anos de processos criminais envolvendo políticos no Supremo Tribunal Federal (STF) - instância máxima do Judiciário brasileiro que tem a competência de julgar ações penais contra presidentes da República, senadores, deputados e ministros.

De 1996 até 2006 o STF julgou definitivamente 29 processos penais contra políticos que têm direito a foro privilegiado. Nenhum foi condenado.

Dos 29 processos criminais, 13 prescreveram - deixaram de existir, porque acabou o prazo em que a pessoa acusada podia ser punida pelo crime. Em outros 10 casos, a ação foi encaminhada pelo STF para instâncias inferiores. Nas 6 restantes, os acusados foram absolvidos.

São casos de desvio do dinheiro público, formação de quadrilha, gestão fraudulenta, lesão corporal, crime contra a honra, crime eleitoral, danos ao patrimônio, sonegação fiscal e até uma acusação por furto de água em São Paulo.

Especialistas afirmam que o problema é que o tribunal não tem estrutura nem foi criado para atuar como uma corte de primeira instância, instruindo e julgando casos de crimes comuns. O STF pondera que as ações penais são mal instruídas em seu início. Lembra, ainda, que até 2001 o tribunal precisava de autorização do Congresso para processar parlamentares.

Para o vice-presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, essa conta só deve valer a partir de 2001, quando o Congresso deixou de ter de ser consultado para abertura dos processos. Mendes acha preocupante o foro privilegiado, mas em decorrência do número elevado de ações.

Para o ministro, não há garantia de que, se os processos contra políticos fossem instruídos em primeira instância, haveria maior celeridade nos julgamentos. 'Não haveria com isso um grande combate à impunidade. Porque estamos vendo exemplos de ações mal propostas nas primeiras instâncias que chegam ao STF e são trancadas.'

SOBRECARGA

Além disso, é crescente o volume de ações penais contra políticos nos últimos anos. Só o escândalo do mensalão despejou 40 denúncias contra parlamentares. Entre os denunciados estão os ex-ministros José Dirceu e Luiz Gushiken, os ex-dirigentes do PT José Genoino - eleito deputado -, Delúbio Soares e Sílvio Pereira, parlamentares como João Paulo Cunha, José Janene, Pedro Henry, José Borba e Professor Luizinho, o empresário Marcos Valério e o publicitário Duda Mendonça. Os dois últimos, apesar de não terem direito a foro especial, serão julgados pela corte porque os processos a que respondem envolvem políticos. Eles são acusados de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, evasão ilegal de divisas, corrupção ativa e passiva e peculato.

Como se não bastasse, o esquema dos sanguessugas, denunciado pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, no fim do ano passado, atinge um número ainda maior de pessoas: são 84 suspeitos de receber propina para direcionar emendas do Orçamento da União para empresas ligadas ao grupo Planam, que vendia ambulâncias a preço superfaturado a prefeituras. São acusados de formação de quadrilha, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e tráfico de influência, entre outros.

Para o ministro do STF Antonio Cézar Peluso, é preciso critério para o uso do foro privilegiado. 'Sou a favor do foro para algumas causas. Acho que certas autoridades realmente devem ter, para garantia delas e garantia de maior imparcialidade, inclusive nas ações de improbidade. Não é possível e não me parece admissível que o presidente da República, por exemplo, fique sujeito a uma decisão de juiz singular, que pode eventualmente destituí-lo numa medida qualquer. Isso não tem cabimento. Imagina destituir o presidente da República numa medida? Não tem cabimento.'

RESGUARDO

Peluso acha que o foro especial não é um privilégio. 'É uma situação de resguardo e de garantia de certas autoridades quanto ao risco de decisões que podem provocar transtornos estruturais no País, coisas graves, inclusive com reflexo do ponto de vista político institucional e econômico.'

Apesar do volume de ações resultantes dos escândalos do mensalão e dos sanguessugas, não se pode dizer que elas seguirão o mesmo caminho de anteriores, que acabaram arquivadas por causa da demora para julgar seu mérito ou mesmo terminaram na absolvição dos acusados por falta de provas.

Um exemplo é o processo contra o deputado Fernando Gonçalves (PTB-RJ), acusado de participação na máfia dos sanguessugas, e o ex-deputado Fábio Raunheitti (PTB-RJ) - já morto -, um dos cinco anões do Orçamento cassados em 1993. Eles foram denunciados pelo desvio de R$ 1,3 milhão do Sistema Único de Saúde (SUS), no Rio de Janeiro, em 1991. O processo prescreveu em 2002.

O caso mais recente de prescrição foi o do processo contra o deputado José Fuscaldi Cesílio, o Tatico, reeleito pelo PTB de Goiás. Empresário, em 1994 ele foi acusado por crime de sonegação tributária. Seu processo foi levado ao Supremo em 2002, quando Tatico foi eleito deputado federal pela primeira vez. Em 7 de novembro do ano passado, os ministros do STF decretaram a prescrição da pena - depois de 12 anos da denúncia, ele não poderia mais ser punido pelo suposto crime.

O último caso de que se tem notícia de condenação no Supremo é de 1994. O ex-tesoureiro de campanha do ex-presidente Fernando Collor, Paulo César Farias, o PC Farias, recebeu pena de 7 anos do STF. Mas PC Farias foi morto em 1996.