Título: Governo planeja remover invasores da Serra do Mar
Autor: Marchi, Carlos
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/02/2007, Vida&, p. A19

Um diagnóstico do governo de São Paulo concluiu que a ocupação irregular da Serra do Mar está produzindo prejuízos ambientais irreversíveis, além de colocar em grave risco as 3.900 famílias que, nas contas do governo, vivem irregularmente nas encostas da Serra do Mar e nas áreas de mangue de Cubatão (10 mil, segundo a prefeitura local). Por isso, o governador José Serra determinou guerra às invasões de áreas ambientais. 'Vamos regenerar a Serra do Mar para que o futuro não seja vítima de um presente de irresponsabilidade', disse o governador ao Estado.

As invasões do Parque Estadual da Serra do Mar produziram um rosário de males. Além dos terríveis danos ambientais, os invasores vivem sob constante risco de deslizamentos de terra. 'É uma tragédia anunciada, estamos esperando para contar os mortos', alardeia Mário Mantovani, do SOS Mata Atlântica. Os governos estaduais e municipais têm sido lenientes com as invasões de áreas protegidas desde o início da década de 90, reconhecem em confidências assessores do governo estadual.

De fato, a reintegração de posse da invasão Água Fria, à margem do Rio Cubatão, em cima do ponto de captação, pela Sabesp, da água que serve o município, é de 1991 e nunca foi cumprida. Há três anos, a promotora Liliane Garcia, de Cubatão, obteve sentença judicial que manda remover os moradores das áreas Ilhabela e Sítio Novo, partes do 'bairro' Vila Esperança, na área de mangues de Cubatão. Em vez de cumprirem a sentença, o governo estadual e a prefeitura de Cubatão recorreram.

NEM UM BARRACO

'Agora, tudo mudou e mudou muito. O direito à preservação ambiental está na Constituição', brada o secretário do Meio Ambiente, Xico Graziano. Ele diz que vai cumprir à risca a determinação de Serra: ao final do governo, em 2010, garante, não haverá um só barraco nos limites protegidos do parque e na área de mangue de Cubatão. O secretário de Habitação, Lair Krahenbühl, mais moderado, prevê que a retirada dos invasores deverá ser precedida de muita negociação.

Quem mais espera que tenha mudado mesmo é a promotora Liliane. Ao tomar conhecimento da nova posição do governo estadual, ela diz ver com bons olhos a intenção de Serra e se anima a, tão logo volte das férias, propor um termo de ajustamento de conduta ao Estado e à prefeitura. No pacto, ela proporá retirar todas as ações judiciais em andamento, que pedem a remoção de outros 'bairros', em troca da ação do poder público para alocar os invasores em moradias adequadas.

Serra quer combinar a ação das duas secretarias com a prefeitura e, com recursos da Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano (CDHU) e da Caixa Econômica Federal, construir habitações de baixa renda para abrigar a remoção dos invasores. 'A região pode virar uma Linha Vermelha ou se tornar rica. Vamos induzir a segunda opção', diz Krahenbühl. Mantovani é mais radical: acha que o risco iminente de grandes deslizamentos obriga à retirada total dos invasores o mais rápido possível.

O prefeito Clermont Castor (PL) não se anima muito com a decisão do governador. 'Vou ser parceiro, mas o que fazer com as famílias?' Não é fácil lidar com invasores de terrenos, diz. 'Você tira cem famílias num dia, no dia seguinte já tem outras cem lá. É muito complicado', lamenta. Ele afirma ter área pública para construir mais 3 mil unidades habitacionais, o que implicaria num déficit de 7.500 famílias, na conta mais moderada do governo estadual, ou 16 mil, na conta dele.

O mapa estratégico do governo prevê o levantamento aerofotogramétrico das áreas invadidas, para constatar quem já estava, de fato, morando na área. Ao mesmo tempo, a Polícia Ambiental proibiu a entrada de caminhões com materiais de construção nas invasões. Passo essencial será a construção de caminhos de serviços circundando as invasões. Esses caminhos vão facilitar as rondas da polícia, vão limitar a área construída e, por último, vão ajudar a conter eventuais deslizamentos de terra com sua construção em formato de calha.

Numa segunda etapa, as áreas protegidas próximas às aglomerações urbanas de Cubatão passariam a funcionar como uma transição. Na margem esquerda do Rio Cubatão, o lado da serra, seriam criados hortos florestais, onde os moradores da região poderiam praticar atividades econômicas sustentáveis e inofensivas ao bioma - como estufas para cultivo de bromélias. Na margem direita, as áreas de mangue, haveria 'fazendas' de caranguejos, que também poderiam dar sustento aos moradores.

Serra acha que dois fortes argumentos ajudam o governo. Um é que o risco de tragédias obriga à rápida retirada das famílias; outro, que o cumprimento das normas ambientais, no início do século 21, se tornou imperioso para garantir a qualidade futura da vida de toda a população.