Título: Idosos x jovens - o conflito do século
Autor: Caldas, Suely
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/02/2007, Economia, p. B2

Debatida, mal falada e incompreendida há mais de 12 anos, a reforma da Previdência continua rejeitada por parte expressiva da população, principalmente os idosos, que a vêem como usurpadora de direitos, criada por agentes do mal, sem alma, que defendem interesses difusos e inexplicáveis. O oportunismo político de governantes, parlamentares e dirigentes sindicais - que conhecem muito bem a necessidade da reforma e mesmo assim a criticam para a platéia, considerando-a dispensável e inútil - explica boa parte da incompreensão e coloca pais e avôs (de forma consciente ou não) contra filhos e netos. Sim, porque mantidas as regras de aposentadoria intocáveis, a já falida Previdência vai agonizar, sua capacidade de honrar benefícios vai gradativamente desaparecer e os mais jovens, além de pagar a conta dos mais velhos, não terão os mesmos benefícios quando chegar a sua vez. Não há clareza sobre o momento em que isso vai ocorrer, mas sintomas muito fortes há anos se apresentam, sob a forma de redução de verbas para outras áreas sociais - segurança é a mais grave - e para investimentos públicos, que são sacrificados para suprir o buraco da Previdência. É justo que um governador, deputado ou desembargador se aposente com o alto salário que recebeu na ativa, enquanto a população favelada vive sob risco de vida, os pobres do Nordeste não têm água tratada nem esgoto, os hospitais públicos rejeitam doentes por falta de leitos, tudo isso porque as verbas foram desviadas para pagar aposentadorias? Nosso sistema previdenciário é cheio de defeitos, privilégios e injustiças sociais. A Assembléia Legislativa de Mato Grosso do Sul aprovou pensão vitalícia de R$ 22 mil para o ex-governador Zeca do PT, na véspera do encerramento de seu mandato, em final de 2006. Por apenas oito anos de trabalho Zeca receberá R$ 22 mil/mês até morrer. O mesmo aconteceu com o ex-governador Lúcio Alcantara, do Ceará: enquanto viver, ele terá renda de R$ 10.272 mensais por apenas quatro anos de mandato. Foram muitos os privilégios que o poder público criou ao longo do tempo, despesas obrigatórias que bem poderiam ser canalizadas para melhorar a qualidade da educação e da saúde pública. O presidente Fernando Henrique Cardoso fez uma reforma meia-sola, criou o fator previdenciário, que postergou pedidos de aposentadoria, mas não impediu o crescimento do déficit. A reforma do primeiro mandato de Lula focou o funcionalismo público, mas não foi implementada porque nenhum governo, nem federal nem estadual, criou o fundo de pensão previsto. Ambos empurraram com a barriga, eximindo-se da responsabilidade com o futuro das próximas gerações. São 12 anos de adiamento sucessivos para um problema urgente, que a cada ano se agrava mais e mais e torna a solução cada vez mais dolorosa. Se hoje 53% dos trabalhadores não têm direito à Previdência, quantos serão em cinco, dez anos, se nada for feito? Se Lula perdeu tempo nos primeiros quatro anos e nada corrigiu na Previdência, neste segundo mandato recuou ainda mais: terceirizou a responsabilidade que os brasileiros a ele confiaram nas urnas e entregou a reforma para 'livre criação' de sindicalistas, que sempre trabalharam contra. 'Agora, quando alguém vier me falar de Previdência, eu falo: por favor, não conversem comigo, vão conversar com os membros do fórum', disse Lula ao instalar o Fórum Nacional da Previdência Social. Afinal, quem foi eleito pelos brasileiros? Dos poucos pontos que o governo timidamente admite pôr em discussão, o mais relevante é a obrigatoriedade da idade mínima de acesso à aposentadoria, extinguindo o sistema por tempo de contribuição. Isso elimina, por exemplo, a aposentadoria antecipada dos professores (25 anos de contribuição a mulher e 30 o homem). Vai haver grita, eles vão espernear, fazer passeata, greve nas escolas e universidades públicas. E o presidente vai continuar fingindo que não é com ele? E os deputados e senadores vão ceder à gritaria, manter o privilégio só para os professores? E o que esperar se Lula atender ao pedido do PDT e entregar o Ministério da Previdência ao presidente do partido, Carlos Lupi, que promete esfolar quem falar em reforma? *Suely Caldas é jornalista E-mail: sucaldas@terra.com.br

Suely Caldas*

Suely Caldas*, sucaldas@terra.com.br

Debatida, mal falada e incompreendida há mais de 12 anos, a reforma da Previdência continua rejeitada por parte expressiva da população, principalmente os idosos, que a vêem como usurpadora de direitos, criada por agentes do mal, sem alma, que defendem interesses difusos e inexplicáveis. O oportunismo político de governantes, parlamentares e dirigentes sindicais - que conhecem muito bem a necessidade da reforma e mesmo assim a criticam para a platéia, considerando-a dispensável e inútil - explica boa parte da incompreensão e coloca pais e avôs (de forma consciente ou não) contra filhos e netos. Sim, porque mantidas as regras de aposentadoria intocáveis, a já falida Previdência vai agonizar, sua capacidade de honrar benefícios vai gradativamente desaparecer e os mais jovens, além de pagar a conta dos mais velhos, não terão os mesmos benefícios quando chegar a sua vez.

Não há clareza sobre o momento em que isso vai ocorrer, mas sintomas muito fortes há anos se apresentam, sob a forma de redução de verbas para outras áreas sociais - segurança é a mais grave - e para investimentos públicos, que são sacrificados para suprir o buraco da Previdência. É justo que um governador, deputado ou desembargador se aposente com o alto salário que recebeu na ativa, enquanto a população favelada vive sob risco de vida, os pobres do Nordeste não têm água tratada nem esgoto, os hospitais públicos rejeitam doentes por falta de leitos, tudo isso porque as verbas foram desviadas para pagar aposentadorias?

Nosso sistema previdenciário é cheio de defeitos, privilégios e injustiças sociais. A Assembléia Legislativa de Mato Grosso do Sul aprovou pensão vitalícia de R$ 22 mil para o ex-governador Zeca do PT, na véspera do encerramento de seu mandato, em final de 2006. Por apenas oito anos de trabalho Zeca receberá R$ 22 mil/mês até morrer. O mesmo aconteceu com o ex-governador Lúcio Alcantara, do Ceará: enquanto viver, ele terá renda de R$ 10.272 mensais por apenas quatro anos de mandato. Foram muitos os privilégios que o poder público criou ao longo do tempo, despesas obrigatórias que bem poderiam ser canalizadas para melhorar a qualidade da educação e da saúde pública.

O presidente Fernando Henrique Cardoso fez uma reforma meia-sola, criou o fator previdenciário, que postergou pedidos de aposentadoria, mas não impediu o crescimento do déficit. A reforma do primeiro mandato de Lula focou o funcionalismo público, mas não foi implementada porque nenhum governo, nem federal nem estadual, criou o fundo de pensão previsto. Ambos empurraram com a barriga, eximindo-se da responsabilidade com o futuro das próximas gerações. São 12 anos de adiamento sucessivos para um problema urgente, que a cada ano se agrava mais e mais e torna a solução cada vez mais dolorosa. Se hoje 53% dos trabalhadores não têm direito à Previdência, quantos serão em cinco, dez anos, se nada for feito?

Se Lula perdeu tempo nos primeiros quatro anos e nada corrigiu na Previdência, neste segundo mandato recuou ainda mais: terceirizou a responsabilidade que os brasileiros a ele confiaram nas urnas e entregou a reforma para ¿livre criação¿ de sindicalistas, que sempre trabalharam contra. ¿Agora, quando alguém vier me falar de Previdência, eu falo: por favor, não conversem comigo, vão conversar com os membros do fórum¿, disse Lula ao instalar o Fórum Nacional da Previdência Social. Afinal, quem foi eleito pelos brasileiros?

Dos poucos pontos que o governo timidamente admite pôr em discussão, o mais relevante é a obrigatoriedade da idade mínima de acesso à aposentadoria, extinguindo o sistema por tempo de contribuição. Isso elimina, por exemplo, a aposentadoria antecipada dos professores (25 anos de contribuição a mulher e 30 o homem). Vai haver grita, eles vão espernear, fazer passeata, greve nas escolas e universidades públicas. E o presidente vai continuar fingindo que não é com ele? E os deputados e senadores vão ceder à gritaria, manter o privilégio só para os professores?

E o que esperar se Lula atender ao pedido do PDT e entregar o Ministério da Previdência ao presidente do partido, Carlos Lupi, que promete esfolar quem falar em reforma?