Título: Fundo é alvo de mais de 300 projetos
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/02/2007, Economia, p. B3

No momento em que o governo decidiu usar uma parcela do patrimônio líquido do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço para um fundo de investimentos em infra-estrutura, mais de 300 projetos de lei tramitam no Congresso para modificar as regras ou utilizar os recursos do FGTS, segundo Joaquim Lima, diretor da Caixa Econômica Federal. Muitas dessas propostas têm como alvo os R$ 68 bilhões que o fundo tem em caixa. Os ativos totais somavam R$ 186 bilhões em dezembro, e o patrimônio líquido é de R$ 21 bilhões.

'Do jeito que é hoje, a todo momento alguém quer dar uma beliscadinha no FGTS', diz Hélio Zylberstajn, professor da Faculdade de Economia (FEA) da USP e pesquisador da Fipe. Ele próprio elaborou, com colegas da Fipe, um projeto de modificação do fundo de poupança compulsória dos trabalhadores, embora o seu plano não envolva a aplicação dos recursos nas contas em ações ou outros ativos fora da esfera tradicional de títulos do governo federal.

A proposta da Fipe é parte de uma sugestão mais ampla de reforma da Previdência, pela qual o FGTS poderia bancar tanto um novo sistema de seguro-desemprego quanto o que ele chama de 'o terceiro pilar da Previdência', que seria uma complementação da aposentadoria com base em contas individuais e capitalizadas.

Zylberstajn acha que as contas do FGTS deveriam ter a rentabilidade dos títulos do governo no mercado, e não render apenas a TR mais 3% ao ano, o sistema atual. Este, aliás, é um ponto defendido por muitos economistas e críticos do sistema de poupança compulsória. 'Como é uma poupança muito mais baixa do que a do mercado, o trabalhador acha que, quanto mais cedo ele tirar, melhor', observa José Márcio Camargo, economista da PUC-Rio e da consultoria Tendências.

Na visão de muitos analistas, o baixo rendimento do FGTS combina-se com a multa de 40% paga ao trabalhador, no caso de demissão que não seja por justa causa, para estimular uma alta rotatividade no mercado de trabalho. A idéia é que o trabalhador é levado a querer sacar seus recursos no fundo, já que estes podem facilmente ser aplicados com muito mais rentabilidade, e ainda há o estímulo extra da polpuda multa. Um fator adicional, que pode ajudar a convencer o patrão, é a possibilidade de negociar informalmente o não-pagamento parcial ou integral da multa.

Desta forma, há um incentivo ao desligamento da empresa por demissão, e esta pode acabar acontecendo em situações nas quais, se não fosse pelo FGTS, empregado e empregador optariam por estender a relação de trabalho. 'A rotatividade faz com que os empresários não invistam em treinamento, já que o funcionário leva o capital humano embora quando sai', diz Camargo.

Por causa deste efeito, Gustavo Gonzaga, outro economista da PUC-Rio, acha que a multa de 40% paga aos trabalhadores deveria ser eliminada, assim como a rentabilidade deveria ser elevada para ficar compatível com outras aplicações de mercado. Para Gonzaga, a multa adicional de 10% paga ao governo na demissão deve ser mantida, como quer a equipe econômica, o que encontra oposição de especialistas como José Pastore.

Lima, encarregado do FGTS na Caixa, lembra que os 8% que os empregadores depositam mensalmente nas contas dos empregados no fundo são a base de um fundo que não é competitivo com as aplicações do mercado financeiro, mas por isso mesmo serve de funding para investimentos sociais em habitação e saneamento.

O diretor da Caixa nota que 74% das contas têm saldos de até R$ 200 e para esse público de baixa renda os benefícios dos empréstimos subsidiados para habitação ou dos investimentos em saneamento são mais relevantes do que a rentabilidade das suas contas no fundo. 'Financiamos 360 mil casas em 2006', diz. Para Lima, a maior pressão pela liberação do FGTS para investimentos mais rentáveis vem dos detentores da parcela de 4,3% das contas com acúmulo de mais de 30 salários mínimos, responsáveis por 53% do volume financeiro total.