Título: Etanol leva êxtase à América rural
Autor: Egan, Timothy
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/02/2007, Economia, p. B9

O acolchoado marrom de inverno que cobre o alto platô torna esta região particularmente desalentadora numa tarde de fevereiro. Mas a natureza morta pode ser enganadora.

Ainda este ano, a empresa canadense Iogen anunciará se Idaho receberá o que poderá ser a primeira fábrica comercial em larga escala nos Estados Unidos a produzir etanol a partir da palha. Não etanol feito de milho, como refinarias em mais de uma centena de uma maioria de pequenas cidades estão agora fazendo, mas etanol feito de um grama nativa da pradaria, com os caules, resíduos agrícolas e cavacos de madeira.

No mês passado, foi anunciado que uma empresa cujos investidores incluem Bill Gates planeja abrir uma fábrica de etanol extraído do milho aqui em Burley, a mais recente do surto de crescimento de biorrefinarias que estão sendo implantadas em alguma das áreas de menor atividade econômica dos Estados Unidos.

O que está acontecendo aqui é o que muitas pessoas da América rural vêem como sua salvação - um álcool de alto desempenho extraído dos campos âmbar de grãos e um 'posto de combustível verde' em cada cidadezinha. Talvez seja uma quimera. Pode drenar água preciosa das planícies áridas e produzir menos energia do que usa. Mas tem o inegável poder de uma idéia em ascensão.

Isso acontece em parte porque a economia do etanol, como está crescendo diante de nossos olhos, está parecendo menos um Grande Plano financiado pelo contribuinte e dominado por uma única corporação de agronegócio e sim algo que pode resultar em novos novos empregos e trazer de volta o controle local ao país rural.

A idéia de uma indústria de etanol descentralizada está tomando forma, embora seja uma indústria auxiliada por isenções fiscais e determinações governamentais. Existem agora 113 fábricas de etanol nos EUA e há mais 77 em construção, segundo a Renewable Fuels Association (Associação de Combustíveis Renováveis), o sindicato patronal do setor.

A maioria delas está bem no meio do Cinturão Agrícola, em condados que vêm perdendo população desde a Depressão.

A processadora de grãos Archer Daniels Midland Company, antes uma força dominante, agora é uma participante menor, controlando cerca de 22% do mercado, pois cerca de 40% das novas biorrefinarias são de propriedade local, representando o suor e o capital de agricultores, professores aposentados e executivos de bancos de pequenas cidades.

Com o dinheiro de Wall Street e o capital de empreendimentos de risco agora sentindo o cheiro da agricultura, isso poderá mudar num piscar de olhos. Mas, por enquanto, em cidades improdutivas onde as lojas da rua principal foram fechadas, as pessoas vêem um renascimento. Eles divisam uma biorrefinaria mais ou menos a cada 130 quilômetros, produzindo combustível americano para motoristas americanos a partir do cultivo americano. E, uma vez que a tecnologia passe do milho para a celulose (como é chamado o resíduo agrícola), eles vêem o enchimento principal do espantalho do Mágico de Oz proporcionando uma economia sustentável que também oferece algumas respostas para o aquecimento global.

'Vamos revitalizar os Estados Unidos rurais', disse Read Smith, um agricultor do Estado de Washington que é co-presidente de uma entidade que trabalha com expressivos nomes da política e da filantropia para fazer com que a agricultura produza 25% das necessidades energéticas da nação até o ano de 2025. 'Vamos sair da pobreza. Vamos criar um indústria de US$ 700 milhões ao ano que não existe aqui hoje.'

Em alguns lugares onde há décadas não se sentia um novo impulso, a realidade já está se adiantando aos sonhos. De Benson, Minnesota, uma refinaria de propriedade de um agricultor está fabricando etanol - e uma vodca de primeira qualidade - dando um rendimento de mais de US$ 60 milhões aos produtores locais de milho, à Shelby, NY, onde uma biorrefinaria planejada proporcionará alguns dos primeiros novos empregos na área rural em anos, a América rural está em êxtase com o etanol.

A expectativa para este ano é que o país produza 6 bilhões de galões (quase 23 bilhões de litros) de etanol, a maior parte proveniente do milho. Isso mal é suficiente para substituir 4% do consumo nacional de gasolina, mas bem à frente do ritmo ditado pela Lei de Política de Energia de 2005.

Milhares de pessoas compareceram no último verão à minúscula Laddonia, Missouri, para a inauguração da quarta refinaria de etanol do Estado.

Uma placa com 1 metro, misturando ilustrações de um milho, uma bomba de gasolina e da bandeira, trazia o slogan de que as pessoas estão marchando para 'Our Crop. Our Fuel. Our Country' (Nosso Cultivo. Nosso Combustível. Nosso País).

Com a conclamação para quintuplicar a produção de combustíveis renováveis dentro de dez anos, o presidente Bush, no seu discurso Estado da União, acrescentou sua voz à causa. A ele se juntou o senador Tom Harkin, democrata de Iowa, presidente da Comissão de Agricultura do Senado, que disse que quer usar a lei agrícola vindoura para energizar a América rural. 'Temos de pensar grande e agir agressivamente', disse Harkin. 'Minha meta é aprovar uma nova lei agrícola ousada que impulsione a transição para uma maior garantia de suprimento de energia no país com base em energia renovável produzida por nossas propriedades e comunidades rurais'.

A corrida para as plantações de milho tem seus riscos. Basta olharmos para os 'synfule', os combustíveis sintéticos obtidos do carvão, gás natural e biomassa, o sonho da era das discotecas de produzir combustível extraído de rochas debaixo da crosta das Montanhas Rochosas. A tentativa deixou feridas abertas nas montanhas e pouco resultado. Ou, retrocedendo ainda mais, houve o Dust Bowl, o resultado de uma conclamação do governo para arrancar a grama nativa da pradaria e substituí-la por trigo. (O Dust Bowl foi o resultado de uma série de tempestades de poeira na região central dos EUA provocadas por técnicas de técnicas agrícolas inadequadas) Quando os preços dos grãos entraram em colapso, a terra ficou descascada e cobriu as planícies de bruma.

E mesmo em cidadezinhas com uma biorrefinaria que vem operando há algum tempo, os novos empregos e os novos recursos financeiros não têm sido suficientes para impedir que as pessoas partam.

A Chippewa Valley Ethanol Co., em Benson, produz 170 milhões de litros (45 milhões de galões) de etanol por ano, o que levou a um renascimento econômico nessa cidadezinha de 3 mil habitantes. A fábrica vem funcionando há dez anos, mas, mesmo assim, os jovens estão abandonando Benson. A cidade e seu condado circundante perderam 5% da sua população entre 2000 e 2005. 'Pense em qual seria a debandada da população se a Chippewa Valley não estivesse lá', disse Matt Hartwig, porta-voz da Associação de Combustíveis Renováveis.

Há dez anos, o etanol era uma curiosidade, dominado por uma empresa. Os altos preços do petróleo, as isenções fiscais e as determinações do governo criaram uma indústria de verdade, diversificada e em expansão.

Embora alguns endinheirados estejam passando para o milho e fazendo a transição para combustível da palha, os pequenos produtores conseguem competir nos preços porque estão muito próximos do produto, na sua criação e no seu uso final.

'Existe um velho ditado entre os agricultores que diz que se você consegue ver o celeiro do seu campo, tem recursos para manter o que colocou lá', disse Chad Kruger, um consultor que trabalha com agricultura amigável ao clima na Washington State University.

Existe um limite sobre a quantidade de milho que pode ser convertida em combustível sem prejudicar o suprimento do alimento e esse dia não está muito longe, dizem os agricultores. Os preços do milho já subiram consideravelmente, fazendo com que os fazendeiros que criam animais reclamem dos custos. No México, produtores de tortilhas protestaram, culpando a demanda dos produtores de etanol pelos altos preços do milho.

Outros dizem estar preocupados que, na pressa para converter açúcar de milho em combustível, terras reservadas à vida selvagem sejam aradas e todos os fertilizantes e o processamento dos resíduos usados no processo pouco ajudem a baixar a temperatura do planeta.

Também, numa época em que donos de terras milionários conseguem subsídios de seis dígitos, há o temor do surgimento de uma nova classe de fazendeiros do bem-estar.

'Até agora , o surto de crescimento do etanol tem sido positivo', disse Chuck Hassebrook, diretor-executivo do Center for Rural Affairs (Centro de Assuntos Rurais), uma entidade de pesquisa sem fins lucrativos com sede em Nebraska. Mas os incentivos governamentais devem ser vinculados, para promover a propriedade local e produzir safras de uma forma ambientalmente sustentável'.

O custo para converter algo como a palha em etanol é mais do que o dobro da conversão do milho em etanol, um dos grandes motivos pelos quais ainda não foi inaugurada nenhuma fábrica celulósica. Ainda assim, se as forças do mercado e a tecnologia convergirem, a pradaria poderá ficar pontilhada de refinarias que funcionem movidas totalmente a grama ou restolho agrícola em 5 a 8 anos.

Esse é o sonho que mantêm muitos agricultores animados - possuir uma parcela da pequena refinaria de etanol na pradaria. 'Há 15 anos que se fala nesse etanol, e parece que, finalmente, seu momento chegou', disse Cloy Jones, que cultiva 225 hectares no Snake River Plateau. Mesmo assim, o etanol talvez não seja o bastante para fazer a América rural voltar aos tempos de glória. Jones tem nove filhos, todos adultos e nenhum trabalha na fazenda.