Título: O governo contra o PAC
Autor: Sardenberg, Carlos Alberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/02/2007, Economia, p. B2

O projeto de transposição das águas do Rio São Francisco consta do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com investimentos de R$ 6,6 bilhões. Ao contrário de muitos outros projetos, já tem licença ambiental, o que é um avanço notável. Das 353 obras de infra-estrutura previstas no PAC para os próximos quatro anos, cerca de cem estão no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) à espera da licença. E outras ainda nem chegaram ao Ibama.

Há garantias de rapidez. Para o final deste mês, depois de amanhã, portanto, estão prometidas as licenças para as duas grandes usinas hidrelétricas do Rio Madeira, Santo Antônio e Jirau. Mas faz tempo que o governo promete isso, de maneira que convém esperar.

Mesmo porque podem vir as contestações. A licença ambiental do projeto do Rio São Francisco está sendo contestada no Supremo Tribunal Federal pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, além de sofrer a oposição política de diversos aliados do governo.

Essa situação se repete nos diversos projetos do PAC: oposições internas, restrições ideológicas, burocracias, entraves jurídicos, liminares. A oposição não faria melhor.

O presidente Lula disse que vai acompanhar com lupa as obras do PAC. Pois precisa de uma pré-lupa para identificar as travas que impedem o lançamento das obras. O edital do projeto do São Francisco, que já deveria ter saído (a última data prevista era para fevereiro), foi adiado para março.

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, disse a este articulista, em entrevista à Rádio CBN, que espera destravar três programas importantes lá pelo mês de abril. São eles: a aplicação da nova Lei de Saneamento, a Parceria Público-Privada (PPP) para duas estradas na Bahia e o programa de concessão de sete rodovias federais.

Todos estão atrasadíssimos.

A Lei de Saneamento, que acaba de entrar em vigor, foi recebida como grande avanço e anunciada pelo governo como a medida que finalmente abriria espaço para os investimentos tão importantes para a economia e a saúde das pessoas. Pois travou.

Conforme artigo do jornalista Ribamar de Oliveira, no Estado de segunda-feira passada (B2), a lei impõe uma série de condições para que as prefeituras contratem obras de saneamento. Precisam criar agência reguladora, conselho fiscalizador e orientador, órgãos executivos, para então apresentarem, aprovarem e contratarem projetos. Não demora menos que dois anos, disseram especialistas.

Não é tão complicado assim, disse o ministro Paulo Bernardo. Segundo suas informações, a imensa maioria das prefeituras já está preparada. Mas entre as despreparadas se encontram as duas maiores, de São Paulo e Rio de Janeiro, o que é um enorme problema, admite o ministro.

Na semana passada, Lula reuniu o pessoal do setor, determinou que encontrem uma saída e observou que, se for preciso, vai chamar governadores e prefeitos para analisarem o caso. Ficaram de montar uma comissão para, talvez, encontrar regras de transição para a lei - a providência que o ministro espera desatar até abril.

Outra trava apareceu no primeiro projeto de PPP para modernização e ampliação de duas estradas importantes no sul da Bahia, facilitando o acesso de regiões exportadoras a portos. Eis a seqüência: o governo Lula discute desde seu início a idéia das PPPs, consideradas um achado; há dois anos, no meio do primeiro mandato, Lula assinou a lei instituindo a modalidade; mais dois anos e está ¿quase¿ pronto o edital de licitação das duas estradas. A última versão, pré-aprovada pela Tribunal de Contas, está com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), encarregada de fazer a concorrência.

Funcionará assim: a empresa privada vencedora cobrará pedágio, mas respeitando um teto. Como o teto é relativamente baixo, o faturamento não será suficiente para pagar investimentos e manutenção. Assim, o governo federal vai pagar à concessionária até R$ 40 milhões ao ano. É esse o modelo das PPPs. Para evitar tarifas e pedágios elevados, o governo entra com uma parte do custo.

Tudo muito bem, só que o projeto das estradas na Bahia prevê uma rentabilidade para o empreendedor de 12,5% ao ano. E não faz muito tempo o governo Lula suspendeu o processo de concessão à iniciativa privada de sete rodovias por considerar muito alta a taxa de retorno prevista, que era de 12,88%, quase a mesma da PPP.

Neste caso, trata-se de concessão simples, sem parcela do governo. É uma espécie de privatização. A empresa vencedora fica dona da estrada por 30 anos, pagando ao governo algo como luvas e aluguel. Financia-se e obtém lucro com a cobrança do pedágio.

A discussão, nos dois caso, é meio técnica, meio ideológica. Do ponto de vista técnico, há questões relevantes. Por exemplo: qual o critério de escolha do vencedor? Quem pagar a maior remuneração para o governo ou quem oferecer o menor pedágio? No caso das PPPs, quem oferecer o menor pedágio ou pedir menos compensação do governo?

O problema político aparece porque, afinal, se trata de um tipo de privatização - coisa que o PT e seus aliados demonizaram. No caso das concessões de rodovias, há um entrave adicional: três estradas ficam no Paraná, onde o governador Roberto Requião dedica boa parte de seu tempo a azucrinar a vida das concessionárias de estradas já pedagiadas.

Dessa visão ideológica nasce a contestação sobre as margens de retorno. Nos setores técnicos, 12,5% não são considerados elevados. Além disso, há um leilão em que os concorrentes podem pedir menos, se houver essa capacidade entre as empreiteiras brasileiras. O mercado resolveria - mas é disso que o pessoal não gosta, do mercado e do lucro das concessionárias. O risco é o governo apertar tanto as margens que não encontre interessados. Ou só encontre picaretas, que topem entrar num negócio que sabem não rentável, com a expectativa brasileira do ¿depois se quebra o galho¿, sabe-se como.

A ver. O ministro Paulo Bernardo acredita que até abril também o edital das concessões de rodovias estará na praça. São investimentos elevados, R$ 3,8 bilhões.

Tudo isso estava em andamento havia quatro anos. Foi tudo reempacotado e incluído no PAC na expectativa de que agora vai. Vai?