Título: O novo dilema do governo
Autor: Oliveira, Ribamar
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/02/2007, Economia, p. B2

O governo vive um novo dilema. Neste momento, o Banco Central é obrigado a comprar dólares no mercado para segurar a cotação da moeda americana. Se não fizer isso, a cotação poderá cair abaixo de R$ 2, com conseqüências desastrosas para as exportações brasileiras. O problema é que as compras atingiram um patamar acima do que foi inicialmente imaginado pela equipe econômica. Se o ritmo atual de aquisição for mantido, o custo fiscal dessa operação poderá ¿comer¿ o espaço que estava sendo aberto no Orçamento da União pelo governo Lula para elevar os investimentos em infra-estrutura, como previsto no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Não é difícil entender o que está acontecendo. Para comprar os dólares, o BC vende títulos públicos no mercado. Grosso modo, pode-se dizer que ele paga - em troca dos recursos captados - uma taxa de juros de 13% ao ano, que é a taxa Selic em vigor. Os dólares comprados vão engrossar as reservas internacionais do País. As reservas são aplicadas, no exterior, a juro em torno de 5% ao ano. O custo fiscal dessa operação - que é bancado pelo Tesouro Nacional, ou seja, pelos contribuintes - é de 8% (13% menos 5%) sobre os valores envolvidos.

Comprar dólares e aumentar as reservas nas condições atuais dos juros brasileiros é, portanto, uma política muito onerosa. No ano passado, por exemplo, as reservas internacionais subiram US$ 34,3 bilhões, segundo dados do BC. A pedido deste colunista, o economista Raul Velloso estimou que o custo dessa aquisição de dólares ficou em torno de R$ 7,5 bilhões, ou 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB) projetado para 2006. Para o cálculo, Velloso considerou uma Selic média de 15% e uma remuneração das reservas de 5%.

Os últimos números indicam que a elevação das reservas este ano poderá ser ainda mais forte. No mês passado, o BC comprou US$ 4,8 bilhões no mercado. Foi a maior compra em um único mês. O total de fevereiro deve ultrapassar US$ 7 bilhões - um novo recorde mensal. As reservas já superaram US$ 98 bilhões e os especialistas acreditam que elas poderão alcançar US$ 100 bilhões muito em breve, pois não há indicação de que a enxurrada de dólares que ingressam na economia brasileira vá estancar.

Não se discute aqui as razões da enxurrada dos dólares, mas apenas o custo da elevação das reservas e as implicações dessa estratégia na política macroeconômica do governo. O principal indicador fiscal de um país é a relação entre a dívida pública e o PIB. No final do ano passado, a dívida pública líquida brasileira estava em 50% do PIB. Um dos pressupostos da política econômica do governo Lula para este ano e para os próximos é o de que a relação dívida/PIB continuará em queda.

Essa queda será garantida, principalmente, por um crescimento mais vigoroso da economia e pela redução da taxa de juros. Quanto maior for a queda, menor será o gasto do governo com o pagamento de juros de suas dívidas. A redução dos juros abrirá, portanto, um espaço no Orçamento, que o governo Lula decidiu utilizar para fazer investimentos em infra-estrutura. Esses investimentos serão garantidos pela redução do superávit primário de 4,25% do PIB para 3,75% do PIB.

As projeções do governo indicam que, mesmo com a redução do superávit primário, a relação dívida/PIB continuará em queda, embora mais suave. O governo Lula poderia ter adotado um estratégia diferente: o espaço aberto com a queda dos juros poderia ser utilizado para reduzir de forma mais rápida a relação dívida/PIB. Os especialistas acreditam que essa estratégia permitiria uma queda mais forte dos juros. Mas a opção do governo foi pelo aumento dos investimentos.

O economista Raul Velloso chama a atenção, no entanto, para o fato de que o espaço aberto pela queda dos juros está sendo preenchido, em parte, pelo custo da estratégia de compra de dólares, com o objetivo de evitar um desastre para as exportações, e pela mudança do perfil da dívida mobiliária pública, com a troca de títulos indexados à taxa Selic por outros, mais caros, préfixados. Esses dois fatores certamente foram considerados quando a equipe econômica definiu a política macroeconômica do governo. A questão é saber em que medida as projeções feitas estão sendo superadas pela realidade.

A decisão do BC de reduzir o ritmo de queda da taxa Selic para 0,25 ponto porcentual, em vez de 0,5, certamente não estava nos planos dos ministros da Fazenda, Guido Mantega, e da Casa Civil, Dilma Rousseff, quando elaboraram o PAC. A queda mais lenta dos juros implica menor espaço fiscal para os investimentos, pois as despesas com juros serão maiores e não permitirão uma redução tão forte do superávit primário.

Se, além de um ritmo mais lento da redução dos juros, o governo for obrigado a gastar mais do que tinha programado na compra de dólares, o espaço orçamentário para os investimentos poderá ser substancialmente reduzido. O dilema do governo pode ser resumido da seguinte maneira: de um lado, ele precisa segurar a cotação do dólar e, de outro, considera indispensável investir mais em infra-estrutura. Mas, se comprar muito dólar, o espaço para investimento diminuirá.

A saída mais fácil para esse dilema é acelerar o ritmo de redução dos juros. Existe uma forte pressão de setores do governo sobre o presidente do BC, Henrique Meirelles, para que o ritmo de queda dos juros volte a ser de 0,5 ponto porcentual já na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que acontecerá nos dias 6 e 7 de março. O argumento para um ritmo mais acelerado não é só o de que a economia precisa sair da mediocridade em que se encontra, em termos de crescimento, há mais de 20 anos. Agora, a preocupação também é a de que é preciso garantir espaço fiscal para os investimentos.

Com queda mais rápida da taxa, acreditam os defensores dessa tese, haverá menos estímulo para que capitais especulativos ingressem no Brasil em busca dos atrativos dos juros. Assim, a enxurrada de dólares poderia ser, parcialmente, contida. Ocorre que não existe garantia de que isso efetivamente acontecerá, pois o cenário internacional é de grande liquidez e os juros brasileiros ainda serão, mesmo que o ritmo de queda passe a ser de 0,5 ponto porcentual, os maiores do planeta.

O economista Raul Velloso pondera que para uma queda mais acentuada da taxa de juro, sem risco de inflação, o governo teria de realizar um forte programa de corte de seus gastos. Mas essa é uma alternativa que, tudo leva a crer, o governo Lula não irá considerar.