Título: Fim das ilusões
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Fonte: O Estado de São Paulo, 25/02/2007, Notas e Informações, p. A3

Vão se transformando em frustrações as grandes esperanças que dirigentes latino-americanos depositaram no estreitamento das relações econômicas com a China, das quais esperavam grandes saldos comerciais e bilhões de dólares em investimentos. Governos como os do Brasil e da Argentina, iludidos pelos ganhos comerciais que imaginavam fáceis e rápidos, apressadamente reconheceram a China como economia de mercado, abrindo mão da utilização de mecanismos de defesa contra práticas comerciais desleais e pavimentando o caminho para a aceitação daquele país como membro da OMC. O governo petista também cometeu o grave equívoco de imaginar que a China seria um ¿parceiro estratégico¿ do Brasil e apoiaria sua política terceiro-mundista. A realidade do relacionamento com os chineses tem sido, porém, muito diferente da imaginada por esses governos.

O extraordinário crescimento de sua economia, que se mantém, e o gigantismo de sua população tornaram a China um dos principais consumidores mundiais de matérias-primas, energia e alimentos. Em alguns itens, há bastante tempo o país se transformou no principal importador mundial. A América Latina pretendia tornar-se o grande fornecedor desse mercado de apetite aparentemente inesgotável.

Em 2004, quando essa era a visão predominante entre os dirigentes latino-americanos, o presidente Lula visitou Pequim e, alguns meses depois, recepcionou em Brasília o presidente da China, Hu Jintao. Foi nesses encontros que a China obteve do Brasil o reconhecimento como economia de mercado. De Brasília, Hu Jintao seguiu para Buenos Aires, onde também obteve do governo de Néstor Kirchner esse reconhecimento.

A contrapartida seria o aumento das importações chinesas de produtos fabricados pelos parceiros latino-americanos e investimentos em infra-estrutura no Brasil e na Argentina. Os chineses continuam a comprar produtos brasileiros e argentinos, embora seu interesse por alguns itens esteja diminuindo. Quanto aos investimentos, têm sido bem menores do que prometeram. Mas o que, nos últimos anos, mais modificou o relacionamento entre a América Latina e a China foi a fantástica expansão das exportações chinesas.

Em 2003, graças às exportações de minério de ferro, o Brasil registrou um superávit comercial de US$ 2,2 bilhões com a China. Em 2007, deverá haver um déficit, inicialmente previsto em US$ 500 milhões, mas que terá de ser revisto, para mais, nos próximos meses.

Por situação semelhante passa a Argentina. Seu saldo comercial com a China, de US$ 1,8 bilhão em 2003, caiu para US$ 523 milhões em 2006, como mostrou reportagem do jornal Valor, com base em dados da empresa de consultoria abeceb.com. Em 2006, as exportações argentinas para a China aumentaram 10%, mas as importações de produtos chineses cresceram 39%.

O crescimento mais rápido das vendas chinesas do que das argentinas deve se manter pelo futuro próximo, visto que as exportações da China se baseiam nos produtos manufaturados, que têm procura crescente por causa do rápido crescimento da economia da Argentina, enquanto as exportações deste país perdem vigor.

O produto argentino cujas exportações mais cresceram em 2006 foi o petróleo. Por causa da crise energética do país, tende a diminuir o excedente de petróleo que pode ser exportado. No ano passado, as exportações argentinas que mais diminuíram foram as de soja e de óleo de soja, porque a China quer produzir internamente o óleo e não se interessa mais pelo produto processado.

Também o Chile convive com o crescimento notável das importações de produtos chineses. Mesmo tendo aumentado suas vendas para a China em 252% entre 2003 e 2006, graças às vendas de cobre, o Chile deve passar a registrar, em 2007 ou em 2008, déficit na balança bilateral. Mas isso não é problema para o Chile, que escolheu o caminho da abertura comercial para crescer e usufrui dos produtos chineses de baixo preço.

Difícil é a situação dos governos que fizeram concessões generosas ao governo de Pequim à espera de uma retribuição que não veio até agora e talvez nunca venha - afinal, a China não está preocupada com generosidades, mas apenas em defender bem seus interesses.