Título: Viagem terá armadilhas para Bush
Autor: Mello, Patrícia Campos
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/02/2007, Nacional, p. A4

Apesar da promessa de fazer de 2007 ¿o ano do compromisso¿ com a América Latina, o presidente dos EUA, George W. Bush, terá dificuldades para fazer grandes avanços em sua agenda com a região. A Casa Branca, às voltas com o atoleiro do Iraque e outras prioridades de política externa, não se ocupou muito da América Latina nos últimos seis anos e viu sua influência na região minguar, com o avanço da Venezuela e até da China. Agora, em seus dois últimos anos de mandato, Bush quer provar à América Latina seu interesse.

¿É uma visita mais simbólica: Bush está em seus anos `pato manco¿, enfraquecido, mas quer mostrar boa vontade¿, diz Riordan Roett, diretor do programa de estudos latino-americanos da Johns Hopkins University.

A visita começa no dia 8 de março, em São Paulo, e a comitiva segue para Uruguai, Colômbia, Guatemala e México, voltando para os EUA no dia 14. A viagem será a mais longa que o presidente americano já fez à região.

Em relação aos principais itens da agenda de interesses dos países da América Latina, Bush está em uma situação complicada. É muito difícil que o Congresso aprove mudanças significativas na Lei Agrícola, o que poderia destravar negociações comerciais de Doha e até regionais. Não se sabe se a Casa Branca conseguirá a extensão do Trade Promotion Authority, mecanismo que permite ao presidente negociar acordos de livre-comércio sem que o Congresso imponha emendas aos tratados.

Os EUA acabam de firmar um acordo de investimentos com o Uruguai, mas é pouco provável que Bush possa oferecer um aprofundamento desse tratado. O Congresso americano já está impondo todo tipo de restrição aos acordos de livre-comércio com Peru, Colômbia e Panamá. Ademais, se Bush acenasse para o presidente Tabaré Vasquez com a possibilidade de um acordo de livre-comércio, iria desagradar profundamente ao Brasil, por causa das implicações para o Mercosul.

¿Bush não vai conseguir reverter a falta de atenção à região, mas não quer ficar para a história como o presidente que virou as costas para a América Latina¿, diz Michael Shifter, vice-presidente do Diálogo Interamericano. ¿Os EUA estão preocupados com a influência de Hugo Chávez, querem que outros países tenham um papel maior de liderança na região.¿

A grande esperança é o mercado hemisférico de etanol. Os dois governos estão se esforçando para anunciar medidas de peso na área de energia.

Bush irá ao Brasil acompanhado da secretária de Estado, Condoleezza Rice, do secretário de Segurança Interna, Michael Chertoff, do secretário de Saúde, Mike Leavitt, do sub- secretário de Estado para o Hemisfério Ocidental, Thomas Shannon, e da primeira-dama Laura Bush. Na viagem, Bush passará batido por países ¿isolados¿, como Venezuela e Cuba, e aliados de Chávez, como Equador, Bolívia e Nicarágua. Ele não incluiu a Argentina em seu roteiro. Segundo diplomatas, Bush não recebeu um convite de Néstor Kirchner, que não quer parecer muito próximo do presidente americano em ano eleitoral.

Será uma viagem com armadilhas, alertam observadores. No Uruguai, Bush pode ser instado a se pronunciar sobre o conflito entre uruguaios e argentinos por conta do imbróglio da instalação de indústrias papeleiras. E, se quiser continuar ¿melhorando¿ as relações com a Argentina, precisa evitar qualquer menção a esse assunto.

O presidente americano também deverá ter cuidado ao pressionar países como Brasil e Uruguai a se posicionarem contra Chávez. ¿O governo brasileiro e Lula podem até ter ressalvas em relação a Chávez, mas não vão nunca antagonizá-lo abertamente¿, diz Roett.