Título: Inflação dos anos 90 pode ter sido menor
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/02/2007, Economia, p. B3

A inflação medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entre o final da década de 80 e 2003 pode estar superestimada, o que explica por que a renda real (que é deflacionada pela inflação oficial) cresceu bem menos do que o consumo.

Para Irineu de Carvalho Filho e Marcos Chamon, autores do estudo O mito da estagnação da renda pós-reformas no Brasil, a superestimação da inflação é a causa básica da discrepância entre o baixo crescimento da renda das famílias naquele período, medido pelas estatísticas oficiais, e o aumento do consumo por eles detectado.

Na verdade, a razão mais profunda para aquela diferença seria que grandes benefícios para a população, especialmente a mais pobre, associados ao fim da hiperinflação e à abertura econômica nos anos 90, não estariam sendo captados pelos índices de preços. ¿O trabalho indica que as políticas liberalizantes dos anos 90 foram muito mais bem sucedidas do que aquilo que aparece nos números do crescimento do PIB¿, diz Samuel Pessôa, economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio.

O IBGE contesta o trabalho de Carvalho Filho e Chamon, que trabalham no Fundo Monetário Internacional (FMI). Já é um fato comprovado que os Índices de Preço ao Consumidor (IPCs) de muitos países tendem a superestimar a inflação. Nos Estados Unidos, o viés (como se chama este efeito) já foi calculado, e é de 1% ao ano.

O que Wasmália Bivar, diretora de Pesquisas do IBGE, acha praticamente impossível é que o viés no Brasil atinja 3%, como está no trabalho dos economistas do FMI. ¿É inconcebível que seja tão mais alto do que o de outros países¿, ela diz. Wasmália também tem críticas de natureza mais técnica ao trabalho de Irineu e Chamon.

Há vários fatores que causam viés nos índices de inflação ao consumidor. O primeiro é que novos produtos com muita inovação tecnológica, como computadores, demoram a entrar no índice. Assim, uma parte substancial da deflação típica destes bens não é computada.

Outro problema é que o encarecimento de um produto pode levar o consumidor a reduzir o seu consumo, o que mudaria o seu peso no índice - o que também não é levado em conta nos índices do IBGE, como o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), oficialmente usado para deflacionar a renda. A melhora de qualidade dos produtos também causa viés, porque o aumento de preço dela decorrente não deveria ser considerado inflação.

Os autores do estudo observam que países que passam por profunda abertura econômica, como o Brasil e a Rússia nos anos 90, sofrem aqueles efeitos de forma amplificada, devido à maciça introdução de novos produtos e à enorme melhora de qualidade. A hiperinflação também pode ter contribuído para aumentar o viés, segundo Wagner Ardeo, vice-diretor do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV-Rio O IBGE tem planos para refinar a qualidade dos seus índices de inflação, como tornar anuais as Pesquisas de Orçamento Familiar (POFs), por meio das quais eles são atualizados. A última POF foi de 2002/2003 e a próxima será em 2007/2008.