Título: O papel da Rússia e da China no sobe-e-desce do preço do petróleo
Autor: Douglass, Elizabeth
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/02/2007, Economia, p. B6

Se os preços da gasolina o fazem blasfemar contra a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) toda vez que vai encher o tanque, talvez você deva apenas dizer ¿nyet¿.

Os grandes produtores da Opep são muito influentes, mas com a produção global de petróleo mal cobrindo a demanda, países fora do cartel estão dominando cada vez mais o mercado, afetando os preços do petróleo e tudo o que é produzido a partir dele.

De fato, quando os líderes mundiais da área energética se reuniram em Houston, na semana passada, para analisar problemas do setor, seus comentários foram traduzidos do inglês apenas para duas outras línguas: russo e chinês.

Daniel Yergin, presidente da conferência, patrocinada pela Cambridge Energy Research Associates, disse que a seleção das línguas ¿apenas refletia a força da globalização¿. Do mesmo modo a lista dos delegados: 55 países estavam representados na poderosa conferência, incluindo um grande contingente da Rússia.

Com um volume substancial de petróleo e as maiores reservas de gás natural do mundo, o predomínio da Rússia vem aumentando no cenário energético mundial.

Mas os parceiros comerciais dos russos, especialmente os países europeus, mostram-se cada vez mais cautelosos diante de medidas adotadas pelo Kremlin, usando suas reservas como instrumento político.

Como foi descrito no relatório do Departamento de Energia dos Estados Unidos, há ¿uma tendência no sentido de aumentar a influência do Estado no setor de energia e não de reduzi-la¿.

Os críticos mencionam as tentativas do Kremlin para exercer maior controle sobre os projetos de gás natural e petróleo que envolvem importantes empresas petrolíferas estrangeiras, como a Exxon Mobil Corp. e a Royal Dutch Shell. E chamam a atenção também para a disputa, em janeiro, entre a Rússia e a Bielo-Rússia relacionada com a tributação sobre o produto, que provocou uma interrupção no fluxo do petróleo no gasoduto que serve os clientes europeus. E, um ano antes, a produtora de gás natural, OAO Gazprom, interrompeu o fornecimento para a Ucrânia porque os dois países não chegaram a um acordo sobre preços - afetando também as exportações para a Europa.

¿A Rússia usa a energia porque é aí que está sua força¿, disse Elena Herold, estrategista na PFC Energy, com sede em Washington, especialista em questões energéticas ligadas à Rússia. ¿É por isso que, quando os Estados Unidos dizem alguma coisa desagradável sobre a Rússia ou para autoridades russas, em resposta essas autoridades interrompem seus fornecimentos aqui e ali. É uma paranóia de ambos os lados.¿

LIMITAÇÕES

No entanto, a Rússia não pode se permitir uma grande redução de suas maciças exportações de petróleo e gás natural, disse Herold. As receitas de impostos obtidas com a venda dessas commodities financiam cerca da metade do orçamento anual do país, ela acrescentou.

Num discurso durante o evento de Houston, o secretário americano de energia, Samuel Bodman, censurou os países que utilizam sua influência em termos de recursos para mudar radicalmente - ou mesmo cancelar - contratos de longo prazo de petróleo com empresas estrangeiras. Embora não tenha nomeado os países, foi uma aparente alusão às medidas recentes adotadas, por exemplo, pela Rússia, Venezuela e Equador.

¿Medidas para restringir o investimento estrangeiro e aumentar o alcance dos setores estatais de energia limitam o acesso ao capital e à expertise necessários para acessar novas reservas¿, disse Bodman. ¿Embora a curto prazo esse tipo de comportamento propicie algum benefício, a longo prazo ele priva os países da produtividade e prosperidade.¿

Bodman também deixou claro seu desagrado com o fato de Rússia e Catar, que juntos detêm mais de 40% das reservas de gás natural do mundo, terem começado a discutir a formação de um grupo de produtores de gás natural similar à Opep. O sugerido cartel já teria até um nome: Gas-pec.

¿Não gosto disso. Não é algo que devemos encorajar e darei a conhecer minha opinião quando me encontrar com os vários ministros envolvidos¿, disse Boldman a jornalistas. ¿Todos os países podem agir do modo que acharem adequado, mas acho justo dizer que tentativas para manipular os mercados, para tentar organizar os fornecedores desse modo, a longo prazo não renderá mais benefícios para os fornecedores¿.

Com mais de 47,5 trilhões de metros cúbicos de reservas de gás natural, a Rússia é a maior exportadora de gás natural do mundo, de acordo com o Departamento de Energia.

Num discurso no mesmo evento de Houston, Andrei Reus, vice-ministro da indústria e energia da Rússia, condenou o sentimento de desconfiança que começa a pairar nos mercados globais de gás e petróleo.

¿As medidas que estamos adotando nem sempre são interpretadas adequadamente¿, disse por meio de um intérprete. ¿Embora nossos diálogos com empresas e representantes de governos estejam dando resultados produtivos, a mídia do Ocidente continua acometida de uma velha doença chamada `Russofobia¿. Só que desta vez trata-se de energia.¿

Posteriormente, Reus respondeu a perguntas de jornalistas sobre um possível cartel do gás natural. ¿Eu não daria muita ênfase à palavra cartel porque a política de relacionamento e cooperação entre parceiros em diversas áreas, um diálogo, é algo muito sensível¿, disse. ¿Ao mesmo tempo, em termos de uma proposta bastante clara e específica, de um formato de uma organização - isso não foi formulado.¿

Mas Reus mostrou-se conciliador, acrescentando que ¿é possível uma cooperação. Foi uma conversa absolutamente sensata mantida aqui¿.

DEMANDA ORIENTAL

A China, enquanto isso, hoje é uma força nos mercados mundiais de energia, por causa da demanda crescente do país por gás natural e petróleo. O aumento rápido do consumo de energia vem sendo observado de perto pelos países que negociam com commodities. Por outro lado, outros começam a se queixar de que o ímpeto da China para garantir reservas manterão os preços altos e tornarão mais difíceis as importações.

¿Há alguns anos os chineses não eram parte importante nem na área industrial nem como consumidores¿, disse Yergin. ¿ Hoje têm um grande peso.¿

A influência crescente da China começou a se manifestar para os americanos em 2004, quando os mercados mundiais de petróleo sofreram um ¿choque de demanda¿, desencadeado principalmente por um salto de 16% no uso de petróleo pela China. Nesse ano, o tórrido crescimento econômico chinês provocou uma escassez de eletricidade e então uma arrancada dos chineses, queimando mais petróleo para suprir a falta de energia, informou recente relatório da Cambridge Energy.

¿Antes de 2004, ninguém jamais imaginou que o que aconteceu nas províncias chinesas em termos de fornecimento de energia teria impacto no que o motorista paga na bomba de gasolina¿, disse Yergin, autor do livro The Prize, ganhador do prêmio Pulitzer, que conta a história da indústria do petróleo. ¿Mas nos últimos anos percebemos o quão interligados são esses mercados¿, acrescentou Yergin.