Título: Afinal, a Super-Receita
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Fonte: O Estado de São Paulo, 20/02/2007, Notas e Informações, p. A3

Anunciada há cerca de dois anos como uma das principais medidas do ¿choque de gestão¿ que deveriam marcar o primeiro mandato do presidente Lula, a criação da Receita Federal do Brasil, conhecida como Super-Receita, enfrentou muitas resistências no Congresso e no funcionalismo público, o que obrigou o governo a rever sua proposta original, mas agora só depende da sanção do chefe do Executivo para entrar em funcionamento. A Câmara dos Deputados finalmente aprovou, com mudanças, o projeto que unifica as Secretarias da Receita Federal e da Receita Previdenciária e que já passara pelo Senado.

Com o objetivo declarado de aumentar a eficiência da máquina pública e melhorar a qualidade dos gastos, o governo editou, em julho de 2005, uma medida provisória (MP) criando a Super-Receita. Ao unificar os órgãos arrecadadores dos Ministérios da Fazenda e da Previdência Social, a MP criava uma supermáquina, com cerca de 30 mil funcionários, que responderia por cerca de 65% das receitas típicas da União. A unificação dos cadastros das duas Secretarias daria maior agilidade e eficácia ao trabalho da fiscalização e faria crescer a arrecadação.

Por não ter sido votada a tempo pelo Congresso, porém, a MP perdeu validade, o que exigiu, do Executivo, o envio de um projeto de lei, o que ocorreu em novembro de 2005. Por causa dos escândalos em que o governo Lula esteve envolvido durante a tramitação do projeto, sua votação atrasou, só agora tendo sido concluída.

Por causa das polêmicas que suscitou, a aprovação da Super-Receita foi considerada a primeira vitória importante do segundo governo Lula no novo Congresso. A vitória não foi, porém, integral. O governo tentou derrubar na Câmara uma emenda aprovada pelo Senado, que reduz o poder dos auditores fiscais, mas foi derrotado por 304 a 146 votos.

A emenda estabelece que o fiscal não tem poder para decidir sobre a existência ou não de vínculo empregatício entre uma empresa e um prestador de serviços contratado como pessoa jurídica. A competência, diz a emenda, é da Justiça do Trabalho. Para o líder do PFL na Câmara (esse partido introduziu a emenda durante a tramitação do projeto no Senado), deputado Onyx Lorenzoni, ao circunscrever essa competência à Justiça do Trabalho, a emenda protege o contrato entre as duas partes e reduz o poder dos auditores, ¿que é sempre contrário ao contribuinte¿.

O governo é contra a emenda porque, em tese, ela pode provocar perda de receita; os auditores a criticam porque, com ela, perdem poder. Nos casos em que uma empresa contrata pessoa jurídica como prestadora de serviços, a tributação é menor do que na contratação de pessoa física. A empresa deixa de recolher a contribuição previdenciária e o FGTS e fica livre de despesas como férias e 13º salário. Dependendo da faixa de renda, o prestador poderá considerar que a redução de impostos compensa a perda de garantias.

Mas é provável que esse poder arbitrário seja restituído aos auditores, contra o interesse dos contribuintes. O líder do governo na Câmara, deputado Beto Albuquerque, disse que, durante as negociações no Congresso, o Executivo não assumiu o compromisso de não vetar essa emenda. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, foi mais direto. Disse que vai pedir ao presidente que a vete.

Se isso ocorrer, não será o único ponto desfavorável ao contribuinte na criação da Super-Receita. O cruzamento de informações da Receita e da Previdência o tornará mais vulnerável à ação dos fiscais. A concentração de poderes num único órgão, que responderá pela arrecadação de uma enorme quantidade de recursos, ao contrário do que espera o governo, pode resultar em mais ineficiência do aparelho estatal.

Pior ainda: ao colocar as contribuições previdenciárias de empregados e empregadores no mesmo caixa para onde vão os recursos tributários típicos da União, a Super-Receita suscita o temor de que dinheiro dos aposentados, atuais e futuros, desapareça nos gastos correntes do governo. Só o tempo poderá desfazer esse receio - ou fortalecê-lo.