Título: Necessário, mas insuficiente
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Fonte: O Estado de São Paulo, 19/02/2007, Notas e Informações, p. A3

O bloqueio de R$ 16,4 bilhões do Orçamento da União é a conseqüência inevitável de um processo orçamentário irrealista, que abre brechas para os congressistas preencherem com propostas de gastos nem sempre responsáveis, mas que servem para encantar uma parte de seu eleitorado. As projeções de receitas são sistematicamente engordadas, por meio de artifícios de aparência técnica ¿ baseados numa fantasiosa previsão de crescimento da economia ¿, o que permite a apresentação de emendas que elevam as despesas. Depois, o Executivo é forçado a contingenciar uma parte do Orçamento, para evitar o surgimento de déficits no fim do ano. É o que está sendo feito agora.

Boa parte das verbas contingenciadas se refere exatamente às emendas apresentadas pelos congressistas. Do total bloqueado, cerca de R$ 10 bilhões são gastos propostos pelo Congresso. O governo, diz o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, não tem nada contra as emendas dos parlamentares, mas entende que elas devem ¿caber no nosso esforço fiscal¿. O argumento, na essência, é claro e correto.

O que não está claro é o critério que balizou a montagem do Orçamento e, agora, o contingenciamento. Também é pouco claro para o contribuinte o ¿esforço fiscal¿, visto que elementos essenciais para assegurar o rigor na gestão dos recursos públicos ¿ como a meta para o superávit primário ¿ se tornaram frágeis no novo governo Lula.

São obscuras as razões que levaram o governo a optar por contingenciar preferencialmente as despesas na área social, que no discurso do presidente é considerada prioritária pelo governo. É dessa área que sairá metade do valor contingenciado. De seu orçamento de R$ 40,7 bilhões, o Ministério da Saúde terá R$ 5,8 bilhões bloqueados, ou 14,3% do total. Se esse valor não for liberado até o fim do ano, os gastos em 2007 ficarão em R$ 34,9 bilhões, inferiores aos de 2006 (R$ 35,6 bilhões), o que contraria a emenda constitucional que determina a correção das despesas de acordo com o crescimento do PIB. Nas Pastas da Previdência, Educação, Desenvolvimento Social, Trabalho, Cultura e Esportes, o contingenciamento será de R$ 2,35 bilhões.

Ministérios responsáveis por obras de infra-estrutura e que, por isso, têm papel de destaque no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) também tiveram verbas contingenciadas, mas, neste caso, o bloqueio afetou as emendas dos parlamentares.

O bloqueio mais difícil de entender é o das verbas do Ministério da Agricultura. Os recursos destinados a essa Pasta já eram insatisfatórios, diante do notório desaparelhamento dos órgãos federais incumbidos de assegurar a sanidade do rebanho e de prevenir danos à plantação, e da falta de apoio aos produtores. Do R$ 1,5 bilhão inicialmente destinado à Pasta, o contingenciamento foi de R$ 655,2 milhões. Se persistir o bloqueio, o Ministério só poderá utilizar pouco mais da metade do previsto, e que já era pouco.

Apesar do aparente rigor embutido nesses cortes, a política fiscal do novo governo Lula gera inquietação. Projeto de lei que integra o PAC autoriza o governo a deduzir da meta de superávit primário, de 4,25% do PIB, as despesas com o Projeto Piloto de Investimentos (PPI), equivalentes a 0,5% do PIB, e também o excesso de superávit obtido em 2006 e os restos a pagar do PPI de 2005 e 2006. Feitas as contas, o superávit primário, necessário para pagar o serviço da dívida e indicar a qualidade da política fiscal, se reduz para 3,5% do PIB.

Louve-se, nesse processo, a clarividência dos autores da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). De acordo com ela, sempre que as despesas previstas estiverem acima da receita, já descontada a economia necessária para o pagamento dos juros da dívida, o governo deve contingenciar o Orçamento. A LRF reduz o espaço para a gestão temerária das finanças públicas e, assim, defende os contribuintes dos maus administradores. Felizmente para o País, em alguns momentos da história há homens públicos capazes e responsáveis o bastante para propor uma lei como essa, cuja importância se comprova neste momento.