Título: Presidente atrasa definição e acirra a disputa na PF
Autor: Mendes, Vannildo
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/02/2007, Nacional, p. A6
A demora do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em fazer a reforma ministerial está alimentando a disputa pelo comando da Polícia Federal, um dos cargos mais cobiçados e estratégicos do governo. Enquanto não se define quem vai substituir o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, a quem a PF está subordinada, os candidatos à sucessão do diretor-geral , Paulo Lacerda, reforçam a artilharia contra os adversários e reabrem feridas nas facções que tradicionalmente disputam poder no órgão. Há dois pretendentes em luta aberta e pelo menos quatro por fora.
Lacerda, que queria uma transição civilizada, perdeu o pulso e virou alvo de torpedos da federação da categoria, a Fenapef, que entrou na briga para fazer o novo diretor. ¿Temos candidato e queremos ser ouvidos¿, diz uma nota distribuída pelo site da federação na internet. Na semana passada, foi necessária a intervenção do Conselho Superior de Polícia para baixar o tom da disputa e evitar o desgaste da instituição.
O grupo que defende a candidatura do diretor de Inteligência da PF, Renato Porciúncula, passou à imprensa a informação de que, em 2003, o diretor-executivo, Zulmar Pimentel - outro forte candidato à vaga de Paulo Lacerda -, deu carona à filha, indevidamente, em um jatinho da corporação. Pimentel alegou que, naquele vôo, havia vagas sobrando no avião e que não houve desvio de rota nem novos custos para a corporação por causa da carona.
A ala de Zulmar, por sua vez, conseguiu espalhar notas em colunas e blogs da internet afirmando que Porciúncula seria adepto de meios ilegais de investigação e rezaria pela cartilha do polêmico ex-diretor Vicente Chelotti, que ficou conhecido nos meios policiais como ¿o rei do grampo¿.
Arisco, Porciúncula evitou comentar o festival de baixaria: ¿Não existe disputa, a sucessão está mais tranqüila do que água de poço.¿ Na semana passada, sobraram estilhaços para o corregedor-geral da PF, José Ivan Guimarães, acusado de ter embolsado R$ 27,6 mil ao simular uma mudança de um Estado para outro. Guimarães explicou que, embora sua mulher e filha tenham permanecido em Brasília, ele se mudou para o Tocantins, onde assumiu novas funções.
O que está em jogo não é pouco. Com 13 mil policiais, entre os mais bem treinados do País, e um orçamento de mais de R$ 2 bilhões para este ano, a PF vive uma boa fase no governo Lula. Seu êxito no combate à corrupção e ao crime organizado, com 370 operações realizadas em quatro anos, foi usado como bandeira de campanha da reeleição do presidente.
Os números da PF são gigantescos: a instituição tem 195 mil inquéritos em curso em todo o País contra todo tipo de contravenção - crimes ambientais, tráfico de drogas, corrupção e crimes do colarinho branco, entre outros. A PF tem entre seus desafios restabelecer a seriedade na fiscalização dos 15,7 mil quilômetros de fronteira do Brasil com os países vizinhos - uma imensa porteira aberta ao tráfico de drogas e de armas.
ENTROSAMENTO
O segredo do êxito da PF parece ser o entrosamento entre seu diretor e o ministro da Justiça, num nível poucas vezes observado na história da instituição. Bastos e Lacerda estavam em lados opostos no governo Fernando Collor, mas aprenderam a se respeitar.
Como advogado criminal, Bastos defendia o ex-tesoureiro da campanha Paulo César Farias, o PC, enquanto Lacerda foi assessor especial da CPI que ajudou a levar ao impeachment do ex-presidente.
Lacerda considera sua missão cumprida, mas se dispõe a permanecer no cargo por mais tempo para facilitar a transição. Citado para ocupar outras funções no novo governo, ele tem dito que está aberto a convites, mas só daqui a três meses, pois antes pretende descansar.
Publicamente, porém, o diretor se recusa a confirmar a saída, para não passar a impressão de estar jogando a toalha ou de estar enfrentando alguma divergência com o governo.
O vazio de poder deixado pela indefinição da reforma ministerial, todavia, é motivo de preocupação geral. A ausência de interlocutores já começou a afetar o desempenho da PF, que reduziu drasticamente, em 2007, suas operações especiais de combate à corrupção e ao crime organizado. De 1º de janeiro até agora, foram realizadas apenas oito operações, média de uma por semana, contra 21 em dezembro passado, ou quase uma por dia útil.