Título: Limitar a guerra fiscal
Autor: Notas e Informações
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/02/2007, Notas e Informações, p. A3

Com a iniciativa de organizar uma reunião de representantes dos governos do Sudeste para discutir meios de pelo menos atenuar a guerra fiscal entre os Estados da região, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, mostra uma posição muito mais construtiva a respeito dessa questão do que a defendida pelos dois que o antecederam.

A gestão de Rosinha Matheus Garotinho teve atuação intensa nesse campo, sob o argumento apresentado pelo então secretário de Desenvolvimento Econômico, Tito Ryff, de que não se tratava de uma guerra fiscal com outros Estados, mas de uma atitude de 'defesa econômica'. Em setembro de 2003, a governadora enviou à Assembléia fluminense nada menos do que 23 projetos de concessão de incentivos tributários com o objetivo de atrair investimentos. Boa parte deles foi aprovada em regime de urgência, alguns com alterações feitas pelos deputados, para corrigir excessos de benefícios que poderiam ser contestados judicialmente. Em 2005, Rosinha Matheus voltou a agir com tal furor nessa área que 70% das leis e um terço dos decretos publicados naquele ano tratavam de benefícios tributários.

Os principais alvos da ofensiva fiscal do governo de Rosinha Matheus Garotinho foram os Estados vizinhos. Grande vítima de ações desse tipo - praticadas não apenas pelo Estado do Rio, ressalve-se -, pois via cair sua arrecadação, o governo paulista, chefiado por Geraldo Alckmin, reagiu. Recusou-se a aceitar créditos de incentivos concedidos por outros Estados sem o apoio expresso do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) - formado pelos secretários da Fazenda dos Estados e por um representante do Ministério da Fazenda, cujas decisões têm de ser tomadas por unanimidade. Alguns Estados contestaram judicialmente essa medida, mas ainda não há decisão final.

Mesmo, porém, quando há decisões judiciais contrárias aos benefícios fiscais, alguns governos estaduais descobrem meios para revalidá-los, pelo menos por um prazo suficiente para a concretização dos investimentos esperados. Uma lei que reduzia a incidência de ICMS no Pará foi considerada inconstitucional pelo STF em 2004 porque não fora aprovada pelo Confaz. Mas alguns meses depois o governo paraense enviou novo projeto para a Assembléia, que o aprovou e restabeleceu o benefício. A nova lei ainda não foi contestada na Justiça.

Agora, para evitar novos conflitos na região, o governo fluminense quer harmonizar as políticas dos Estados do Sudeste destinadas a atrair investimentos e evitar a competição predatória entre eles. A reunião entre secretários de Desenvolvimento e da Fazenda dos quatro Estados do Sudeste ainda não tem data marcada, mas, de acordo com o secretário fluminense de Desenvolvimento Econômico, Júlio Bueno, deverá se realizar em Vitória. A idéia é começar a discussão pelos temas sobre os quais os Estados têm opiniões semelhantes, deixando para depois o debate daqueles a respeito dos quais há divergências.

Bueno tem uma visão diferente da que prevaleceu no governo fluminense durante os oito anos da gestão Garotinho (Rosinha foi antecedida no cargo por seu marido, Anthony Garotinho). Para ele, a conquista de investimentos não depende da concessão de benefícios fiscais. 'Ninguém decide investimentos por conta de incentivo tributário', disse ao jornal Valor. Nos governos passados, as concessões tributárias foram feitas sem levar em conta os custos futuros. Mas esse cálculo precisa ser feito, para se avaliar a eficácia das medidas.

Em termos nacionais, é enorme o efeito da guerra fiscal travada pelos Estados. Levantamento recente do Ministério da Fazenda indica que ela custa cerca de R$ 25 bilhões por ano. Não parece provável que os eventuais benefícios auferidos pelos Estados que a praticam alcancem esse valor.

É importante, por isso, buscar acordos que evitem o acirramento da guerra fiscal. Mas é preciso ter em mente que essa é uma iniciativa de alcance limitado. Nada substitui uma reforma tributária, que, além de racionalizar o sistema de impostos do País, elimine de vez as brechas por onde se pratica a guerra fiscal.