Título: Bispo populista paraguaio ameaça hegemonia do Partido Colorado
Autor: Rohter, Larry
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/02/2007, Internacional, p. A12

Nenhum partido no poder em qualquer parte do mundo governa há tanto tempo quanto o Partido Colorado no Paraguai. Mas um carismático bispo católico romano recentemente suspenso pelo Vaticano está ameaçando essa hegemonia e surge como o primeiro colocado na disputa pela presidência em 2008.

Conhecido como ¿o bispo dos pobres¿, Fernando Lugo Méndez foi fortemente influenciado pela Teologia da Libertação, segundo a qual a Igreja Católica tem uma obrigação especial de defender os oprimidos. Mas ele reluta em se posicionar no espectro político, dizendo que está interessado em soluções, não em rótulos.

¿Como estou acostumado a dizer, fome e desemprego, assim como a falta de acesso a saúde e educação, não têm ideologia¿, disse numa entrevista. O Partido Colorado está no poder desde 1947. O general Alfredo Stroessner comandou uma ditadura notória pela corrupção e a brutalidade de 1954 a 1989, mas, apoiando-se no domínio firme do clientelismo e da burocracia, o partido conseguiu manter o controle do governo mesmo sob o sistema corrente de eleições livres.

Lugo, de 55 anos, é um orador fascinante tanto em espanhol como em guarani, a língua indígena falada pelos camponeses e os pobres urbanos que compõem a maioria da população deste país sem saída para o mar, com 6,5 milhões de habitantes. Em discursos, ele investe contra a corrupção e a injustiça dizendo: ¿Há diferenças demais entre o pequeno grupo de 500 famílias que têm um padrão de vida de primeiro mundo enquanto a grande maioria vive numa pobreza que beira à miséria.¿ Pesquisas de opinião recentes confirmam a condição de Lugo como a figura política mais respeitada e popular do país, e ele está na frente de todos os outros candidatos potenciais nessas sondagens. Tanto a Igreja como o Estado estão tentando bloquear seu caminho para o palácio presidencial, o que fez alguns de seus adeptos ameaçarem com manifestações de rua se ele for desqualificado para concorrer.

A Constituição proíbe ministros de qualquer denominação religiosa o exercício de cargos eletivos, e a Igreja Católica Romana impõe uma proibição semelhante a seu clero. Lugo renunciou ao sacerdócio em dezembro para se libertar das restrições. ¿De hoje em diante, minha catedral será a nação¿, disse. Mas o Vaticano, embora o tenha suspenso de seus deveres, rejeitou sua renúncia.

Monsenhor Lugo - ele e seus seguidores utilizam o título, que é usado por bispos na América Latina, apesar de sua renúncia ao clero - ignorou a decisão e declarou sua candidatura este mês. Autoridades da Igreja reagiram com advertências de sanções mais severas, e um bispo paraguaio chegou a prevenir que ele ¿está se expondo ao castigo da excomunhão¿ se não desistir.

Com seu status clerical em questão, tudo indica que somente a Suprema Corte ou a Justiça Eleitoral podem determinar sua elegibilidade ao cargo.

Seus consultores legais rebatem que o édito do Vaticano não tem validade jurídica no Paraguai. Mas tanto o Supremo como a Justiça Eleitoral são vistas aqui como submetidos ao Partido Colorado e, portanto, propensos a deixá-lo fora da eleição.

¿O governo vai tentar usar os argumentos da Igreja para tirá-lo de campo, mas o Paraguai é um Estado laico, e a autoridade final é a Constituição, e não a lei canônica¿, disse Rafael Filizzola Serra, um membro do Congresso que apóia Lugo e é um especialista em assuntos constitucionais. ¿O papa não tem autoridade para lhe dizer que ele não pode concorrer. Lugo renunciou ao sacerdócio e tem o mesmo direito que qualquer cidadão de se candidatar.¿ José Alberto Alderete, o presidente do partido governante, zombou da especulação de que o governo estava manobrando para excluir Lugo da eleição, dizendo, ¿Queremos competir¿ e estamos confiantes na vitória porque ¿somos o partido da mudança.¿ Mas criticou Lugo, chamando-o de um demagogo perigoso e causador de divisão.

Seus adversários Lugo tentaram minar seu apoio na classe média, que reagiu intensamente a sua posição anticorrupção, retratando-o como um ¿bispo vermelho¿ e um ¿padre radical¿ que desviaria o Paraguai para a esquerda. Eles sugerem que, se eleito, imediatamente se alinharia ao venezuelano Hugo Chávez e ao boliviano Evo Morales.

Em entrevistas, Lugo descreveu o que Chávez chama de ¿socialismo do século 21¿ como ¿interessante e diferente¿ e ¿muito estimulante.¿ Mas quando lhe pediram para ser específico sobre o tema, ele tratou rapidamente de se distanciar do modelo venezuelano.