Título: Mandante dirigia projeto da ONG
Autor: Thomé, Clarissa e Auler, Marcelo
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/02/2007, Metrópole, p. C4

Társio Wilson Ramires, de 25 anos, que comandou a chacina, cursa o terceiro ano de Administração de Empresas, na Universidade Gama Filho, instituição particular. As mensalidades eram pagas por pessoas físicas que contribuíam para um dos programas da ONG Terr¿Ativa. Ele também coordenava o programa Brilho da Lua, que beneficiava 40 jovens do Morro do Fubá, em Cascadura, com curso de reforço escolar e folclore. Ganhava R$ 804.

Na delegacia, Ramires acusou a secretária-executiva Délphine Douyère de desviar dinheiro da organização franco-brasileira, que atua desde 1999, deixando de pagar impostos. Ramires disse que recebeu parte do dinheiro desviado, que teria investido no Brilho da Lua. Segundo o delegado Marcus Castro, Ramires contou que o desfalque teria sido de R$ 80 mil. ¿Eu sou o dono (do Brilho da Lua), eu é que criei o projeto. Eles cortaram o orçamento. Então, este dinheiro, eu usava para que o projeto continuasse.¿

O depoimento de Ramires destoa do que foi prestado pelo contador da ONG, cujo nome não foi divulgado pela polícia. Segundo o delegado, o contador disse que foi procurado por Délphine, que queria informações sobre as contas da instituição. O funcionário disse, então, que havia sido desligado da organização por Ramires e que não recebia salário havia quatro meses. Ele identificou o desvio, mas não os responsáveis.

¿Tudo começou com apuração de desfalque na ONG, desvio de dinheiro, contas que não estavam sendo pagas¿, afirmou Castro. ¿O motivo deste crime parece ser queima de arquivo, ou seja, `não vamos deixar vestígio do desfalque que estávamos dando¿. Foram lá tentar ocultar o desvio que estavam fazendo¿.

Ramires negou que tivesse intenção de matar os franceses. ¿Era para ser um susto.¿ Para isso, chamou dois amigos, que também atuaram na ONG e foram presos na tarde de ontem.

O coreógrafo Luiz Gonzaga Gonçalves Oliveira, de 27 anos , foi localizado no Hospital Albert Schweitzer, na zona oeste, ferido a facada. Oliveira perdeu o documento de identidade e se registrou com nome verdadeiro no hospital, onde disse que foi machucado ao cobrar uma dívida. Na delegacia, contou que machucou a mão ao tentar defender Délphine.

O vendedor José Michel Gonçalves Cardoso, de 25 anos, foi preso na loja Casa Show, de material de construção. Os policiais o encontraram uniformizado, ouvindo música. Ele disse que sua participação foi amarrar Jérôme Faure. E fugiu em seguida, sendo o primeiro a abandonar o prédio. Os três foram indiciados por triplo homicídio qualificado.

A maior preocupação do consulado foi amparar Max, de 2 anos, filho de Délphine e Christian Doupes, que estava com a babá na hora do crime. Por decisão da Justiça, ele ficará com um casal de amigos dos franceses. Os avós chegam hoje ao Rio. ¿Infelizmente é uma tragédia que poderia acontecer em outros lugares. O fato de ter acontecido no Rio, é uma infelicidade. A repercussão, claro, é triste, mas infelizmente é uma tragédia¿, disse José Marmelo, encarregado da área social do Consulado da França, no Rio.

O historiador Daniel Aarão Reis Filho, da Universidade Federal Fluminense, co-orientador da tese de doutorado de Délphine sobre população de rua, descreveu a francesa como uma ¿mulher destemida, corajosa¿, que se apaixonou pelo Brasil. O jogador Afonsinho, que jogou pelo Botafogo na década de 60 e 70, atuou em projetos da ONG e se disse chocado. ¿Eram pessoas com um trabalho sério. Não mereciam isso¿.