Título: Pequenas cidades, muitos crimes
Autor: Paraguassú, Lisandra
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/02/2007, Especial, p. H1

Cidade pequena, de no máximo 30 mil habitantes, não é, necessariamente, garantia de vida pacata. Em algumas dessas cidades, quando estão em áreas de fronteira, da Amazônia desmatada, de grilagem de terras, exploração ilegal de madeira, garimpo e contrabando, sobra espaço para a violência, falta Estado e reina o espírito do vale quase tudo numa terra de ninguém.

A violência do ¿interior profundo¿ está no Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros, divulgado ontem, o que acrescenta uma nova face à moeda da segurança pública, tradicionalmente descrita pelos crimes nas capitais e regiões metropolitanas. O estudo mostra que 10% dos municípios (556) concentram 72% dos homicídios registrados no País. Mas o mapa detalhado expõe um fenômeno que, no ranking da taxa de homicídios em geral (por 100 mil habitantes), põe cidades com menos de 15 mil habitantes no topo da violência nacional.

O saldo desse quadro é este: sete cidades com jeito de faroeste, nos Estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará e Goiás, estão entre as dez do País com maior taxa de homicídios. As outras três padecem do mal da expansão urbana desenfreada, a reboque da implantação de algum pólo industrial. Nenhuma capital ou região metropolitana está entre essas dez. Recife é a 13ª do ranking nacional e a 1ª mais violenta entre as capitais. São Paulo é a 9ª mais violenta na lista das capitais e só aparece em 182º lugar no ranking geral das maiores taxas de homicídios entre os 5.560 municípios brasileiros.

De acordo com o autor do estudo, Julio Jacobo Waiselfisz, houve uma ¿reconfiguração espacial da violência no País nos últimos anos¿, com uma acentuada interiorização. Até 1999, os níveis de violência cresciam entre 5% e 6% ao ano nas capitais e zonas metropolitanas. Desde então, estagnou e passou a crescer no interior. A migração de recursos e pessoas para o interior levou junto parte da criminalidade.

Além disso, diz o pesquisador, as políticas de segurança pública, nos últimos anos, concentraram-se nas capitais e áreas metropolitanas. ¿As capitais passaram a ficar mais protegidas¿, diz Jacobo, que preparou o Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros para a Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, Ciência e a Cultura (OEI). O mapa trabalhou com as taxas médias dos últimos três anos disponíveis: 2002, 2003 e 2004.

COLNIZA

A campeã brasileira na taxa de mortes por 100 mil habitantes é a cidade de Colniza (MT), próxima das divisas com Rondônia e Amazonas. Criado há apenas nove anos, o município, que tem uma população fixa de 13 mil habitantes, mas chega a acolher outros 27 mil forasteiros, registrou mais de 20 assassinatos por ano - o resultado é uma taxa de 165 mortes por 100 mil habitantes. ¿Foi também uma surpresa para nós. Em uma cidade pequena as relações são quase familiares, são primárias. Vinte homicídios num ano é algo pavoroso, é porque tem algo muito errado¿, diz Waiselfisz.

Da primeira, Colniza, até a 556ª - Nova América, em Goiás, - a taxa baixa dos 165 por 100 mil para 29,8 por 100 mil. Mas, ainda assim, todas estão dentro da faixa que o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) considera de ¿ruptura total dos mecanismos de segurança pública¿, quando a população avalia que não pode mais contar com a polícia para ser protegida. Esses municípios estão nas áreas de fronteira e, principalmente, no arco do desmatamento da Amazônia.

Assim como Colniza, Juruena, São José do Xingu e Aripuanã, todos em Mato Grosso e Tailândia (PA) fazem parte da mais nova fronteira agrícola do País. Foz do Iguaçu (PR) e Coronel Sapucaia (MS) estão em regiões de fronteira onde tráfico e contrabando tomam conta do cotidiano econômico formal, informal e ilegal.

¿Mato Grosso, a fronteira com a Bolívia, Pará, todos têm manchões enormes de violência. São municípios extensos, pouco povoados, sem uma presença forte do poder público¿, diz Waiselfisz. Colniza (leia reportagem nas páginas 2 e 3) é um exemplo categórico. No final de 2005, a Polícia Federal baixou na região munida de 50 mandados de prisão para uma cidade com 13 mil habitantes. As acusações: grilagem de terras e genocídio de índios, envolvendo, inclusive, a associação dos proprietários rurais da cidade. O grupo invadiu uma reserva da Fundação Nacional do Índio (Funai), onde havia populações não contactados, grilou as terras e matou para evitar a identificação por testemunhas. Um dos delegados que participaram da operação disse ao Estado que toda a região - onde também fica Aripuanã, outra das cidades na lista das 10 mais violentas - é ¿complicada¿, tem um efetivo pequeno de policiais militares, uma grande extensão de terra e, até dezembro de 2005, nem sequer tinha uma vara do poder judiciário.

Apesar da violência crescente nas terras escondidas do Brasil, alerta a OEI que as taxas de homicídios nas grandes cidades não podem ser esquecidas. Apenas sete capitais não aparecem na lista de 10% mais violentas do País, e as áreas metropolitanas de boa parte dos Estados têm situações preocupantes. É o caso do Rio de Janeiro, Pernambuco e Espírito Santo.

HISTÓRICO

Realizado desde 1998, o Mapa da Violência do Brasil - que não incluía o recorte por município - já apontava Pernambuco e Espírito Santo como os Estados mais violentos. O levantamento municipal mostra agora que 45,4% das cidades pernambucanas estão na lista das mais violentas, incluindo Recife e sua zona metropolitana, mas também o chamado ¿Polígono da Maconha¿, no sertão.

Pernambuco, de acordo com Jacobo, tem um histórico de violência que começou no início da década de 90 e que durou até 1998. Desde então, estagnou, mas nunca mais diminuiu. ¿São de 4.300 a 4.500 homicídios por ano, de forma parelha¿, diz. Quase a metade dos municípios do Estado - 45% - está na lista dos que têm mais assassinatos.

No Rio, 44,6% das cidades estão na lista. ¿Há um deslocamento dos focos de desenvolvimento e, conseqüentemente, também da criminalidade. É necessário uma política focalizada de combate à violência¿, diz. ¿É como se faz em saúde: não se ataca uma epidemia em todo o País, mas onde ela eclode.¿

São Paulo foi o único Estado a registrar queda sistemática no número de homicídios nos últimos cinco anos. ¿A mobilização municipal contribuiu para isso. A criação do Fórum Metropolitano de Segurança Pública e a adoção de medidas como a lei seca, polícias municipais armadas e escolas abertas nos finais de semana, ¿contribuíram para a redução dos homicídios¿, diz Jacobo.