Título: Estímulos que vêm de fora
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/02/2007, Notas e Informações, p. A3

Uma economia forte, com a inflação em queda. Este, em resumo, é o quadro da economia americana apresentado pelo presidente do Federal Reserve (Fed), Ben Bernanke, ao Comitê Bancário do Senado. ¿A economia dos EUA parece estar fazendo uma transição das rápidas taxas de expansão dos últimos anos para um crescimento mais sustentável¿, disse Bernanke.

Foi um depoimento tranqüilizador, especialmente depois de conhecidos os dados mais recentes da economia americana. Até alguns meses atrás, predominava no mercado financeiro a expectativa de que poderia ocorrer uma piora no cenário internacional, por causa de fatores como a tendência de alta dos juros básicos nos países industrializados, a elevação do preço do petróleo e o desaquecimento do mercado imobiliário nos EUA. Desses fatores, apenas o último persiste, mas seu papel no desempenho da economia americana tem sido secundário.

No último trimestre de 2006, a economia dos EUA mostrou uma vigorosa recuperação, por causa sobretudo da aceleração do consumo. Apesar da redução de 19% na construção, a demanda de bens e serviços está em franco crescimento. No período outubro-dezembro, os gastos com consumo aumentaram 4,4% em termos reais, na comparação com igual período do ano anterior. Os investimentos em máquinas e instalações diminuíram, por causa dos estoques elevados, especialmente na indústria automobilística. Mas os estoques diminuíram, o que sugere a retomada dos investimentos, que devem ser sustentados pelos grandes lucros das empresas em 2006.

A recuperação vinha aumentando o temor do mercado financeiro de que o Fed elevaria os juros proximamente, o que poderia frear a produção e o consumo. Apesar das ressalvas que Bernanke fez, de que a inflação ainda é a preocupação ¿predominante¿ do Fed e de que ele está pronto para agir se surgirem riscos inflacionários, seu depoimento desanuviou o clima nos mercados.

É preciso ter em conta, porém, que o bom desempenho pode acentuar um dos grandes desequilíbrios da economia americana, que está na sua balança comercial. No ano passado, o déficit comercial dos EUA bateu novo recorde, o quinto consecutivo, tendo alcançado US$ 763,6 bilhões, 6,5% maior do que o de 2005. Com a demanda aquecida, as importações devem continuar crescendo mais depressa que as exportações.

Há duas fortes explicações para o déficit comercial recorde dos EUA. Uma é o aumento de 18,2% das importações de produtos chineses, que totalizaram US$ 287,8 bilhões. Esse valor garante para a China a segunda posição entre os principais fornecedores dos Estados Unidos, atrás apenas do Canadá e à frente do México, que há anos era o segundo maior exportador para o mercado americano. Outra explicação para o déficit recorde é a alta do petróleo registrada no ano passado.

Para o mundo, há um inegável efeito positivo do aquecimento da economia americana, que é o de estimular as economias de outros países ¿ e de maneira mais acentuada dos países que têm relações comerciais mais intensas com os EUA. A Alemanha, por exemplo, conta com a recuperação americana para crescer ainda mais depressa do que cresceu no ano passado, quando puxou o crescimento da economia da Europa.

No último trimestre de 2006, o crescimento da Europa surpreendeu e, de acordo com dados preliminares, elevou a expansão anual para 2,7%, a maior em 6 anos. Durante 11 anos, o crescimento da economia alemã foi menor do que o crescimento médio da União Européia. No ano passado, cresceu mais e, pelo ritmo observado até agora, pode repetir esse feito em 2007, pois o índice de confiança do investidor alemão está subindo há alguns meses. Outros países europeus, como Itália, Espanha e França, também apresentaram no último trimestre de 2006 resultados melhores do que no anterior.

Para sorte do governo Lula, o bom desempenho das economias industrializadas ¿ também muitos países emergentes, sobretudo os maiores, como China e Índia, crescem em ritmo acelerado ¿ estimula o crescimento de outras, mesmo aquelas ainda tolhidas pela falta de decisões governamentais adequadas, como a brasileira.