Título: 'Legendas não estão preparadas para a sociedade moderna'
Autor: Manzano Filho, Gabriel e Assunção, Moacir
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/02/2007, Nacional, p. A7

Em um dos depoimentos que fez à CPI dos Correios, em 2005, o empresário mineiro Marcos Valério virou-se para um deputado que parecia perdido na conversa e perguntou: ¿O sr. quer que lhe ensine os caminhos do mundo financeiro?¿ O episódio ficou na memória do historiador Bóris Fausto, que o acompanhava pela TV. Era um exemplo a mais, para ele, de que grande parte dos políticos brasileiros não consegue entender questões complexas das sociedades modernas - e portanto não tem opinião a respeito nem a cobrará do partido. O impacto político da globalização, sutilezas legais das altas finanças, patentes industriais, ética na internet, direito espacial, pesquisas com células-tronco... A lista não pára de crescer.

Nesta entrevista ao Estado, o professor Fausto, que é também membro da Academia Brasileira de Ciências, adverte: ¿Os partidos não estão preparados para as questões complexas da sociedade moderna. É essencial devolver ao Legislativo sua importância política. Ou os partidos enfrentam o desafio ou se enfraquecerão cada dia mais.¿

O que o sr. diz de um Congresso em que os partidos estão esvaziados e há 113 frentes parlamentares registradas?

A proliferação de bancadas e frentes decorre de dois fatores: uma crise partidária e também o caráter mais complexo da sociedade em que vivemos, na qual a especialização cresceu muito. Hoje é preciso que um partido esteja bem informado sobre finanças, meio ambiente, tecnologia, urbanismo, assuntos jurídicos, pesquisa científica. Há projetos de lei em que se fundem questões científicas, religiosas e morais.

O que os partidos podem fazer?

A saída é as legendas se apegarem a seus princípios básicos, transformá-los em questões fechadas. Mas não é simples. Aparece por exemplo um projeto que autoriza a pesquisa das células-tronco, aí vem um deputado e diz: ¿Sou evangélico e não aceito isso de forma nenhuma.¿ Se o partido tivesse força e comando, deveria dizer: ¿Então saia.¿ No Congresso atual isso é inimaginável.

Mas se ninguém fizer nada, como ficará a vida partidária?

Cabe às lideranças fazer alguma coisa, não só para arrumar os partidos, mas para normalizar a vida do Congresso, que perdeu o rumo. Quase sempre, quando se fala em desmoralização dos políticos, na enxurrada vem a desmoralização institucional, e isso é grave. É fundamental devolver importância política ao Legislativo. Os partidos precisam de uma reformulação muito séria. Senão, o Executivo terá ainda mais controle do que tem hoje.

A fidelidade partidária ajudaria a estancar esse processo?

Seria importante. Impediria um político de sair por aí apoiando qualquer causa, impunemente. Mas os conflitos, na vida social, existem e trazem divisões inevitáveis.

Uma reforma política poderia melhorar a situação?

O problema não é só a reforma política. A cultura política contém uma coisa mais profunda, que as instituições sozinhas não podem mudar. São coisas de longo prazo. O que em outros países é inteiramente injustificável é aceitável aqui. Mas padrão não se muda da noite para o dia.

A desinformação do eleitorado é um dos problemas?

É preciso cuidado com essa ligação automática entre ¿massa ignorante¿ e ¿voto errado¿. Não estou defendendo a ignorância nem sustentando que a educação e a instrução resolvem tudo. Hitler foi eleito por uma massa educada na Alemanha e deu no que deu. Houve coisas que avançaram bastante.O voto de cabresto diminuiu drasticamente.

Em 2006, 77% das leis aprovadas saíram do Executivo. O Congresso não produziu quase nada.

O Legislativo é fraco porque não é representativo. O importante é criar laços entre representante e representado. Hoje, o sujeito vota, escolhe, mas o eleito pensa assim: ¿Bom, votaram para que eu pegasse esse emprego, agora ele é meu.¿ O mandato vira propriedade particular.