Título: Denúncia de estupro amplia tensão entre xiitas e sunitas
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/02/2007, Internacional, p. A9

O primeiro-ministro iraquiano, Nuri al-Maliki, demitiu ontem quatro funcionários do governo, após o escândalo envolvendo um suposto estupro de uma mulher sunita por policiais xiitas. Entre os demitidos está Ahmed al-Samaraie, diretor do departamento que supervisiona os locais sagrados sunitas no país. Samaraie havia pedido uma investigação internacional sobre as denúncias de abuso sexual.

O caso também envolve o Exército americano, já que a iraquiana foi levada a um hospital controlado pelos EUA. 'Posso dizer apenas que ela foi admitida em nosso centro médico no domingo e liberada na segunda-feira', afirmou o general William Caldwell, sem revelar se os exames comprovaram ou não a ocorrência de abuso sexual. O militar afirmou que os EUA já iniciaram uma investigação sobre o caso, para auxiliar o governo iraquiano.

As acusações podem inflamar ainda mais os sentimentos sectários entre xiitas e sunitas. Isso porque no Iraque, diferentemente do que ocorre com outros crimes, as vítimas não costumam denunciar e nem mesmo comentar o estupro. E quando o tema é discutido em público, normalmente são os parentes da vítima que revelam os detalhes do crime.

Por isso, a população iraquiana ficou chocada quando uma sunita de 20 anos de Bagdá apareceu na TV Al-Jazira contando uma história de seqüestro e agressão sexual nas mãos de três membros da Polícia Nacional, dominada por xiitas. Entrevistada numa cama, ela contou que foi levada de casa na manhã de domingo pelos policiais e, em seguida, estuprada num quartel.

Para muitos xiitas, as acusações pareceram uma tentativa de difamá-los e atacar o governo, também de liderança xiita. Para os sunitas, o relato da mulher apenas sublinhou o que eles já denunciavam - que o governo não liga para a Justiça e promove uma agenda xiita.

Pouco depois da reportagem ir ao ar, Maliki prometeu investigar as acusações e punir os envolvidos. Horas depois, entretanto, ele mudou o tom de seu discurso e anunciou que, segundo exames médicos, a mulher não sofrera nenhuma agressão sexual. Tomando o partido das forças de segurança, Maliki acabou ampliando ainda mais as tensões sectárias provocadas pelo caso. Para piorar, seu governo também divulgou um nota com o nome da mulher, que os jornais e agências de notícias internacionais optaram por não publicar.

Ainda ontem, num júri dos EUA, o soldado americano Paul Cortez, de 24 anos, se declarou culpado no caso que envolve o estupro e a morte de uma iraquiana de 14 anos, em Mahmoudiya, em 2006.