Título: Como aumentar os 'músculos' do nosso cérebro
Autor: Reinach, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/02/2007, Vida&, p. A13

É fácil observar que a prática de exercícios aumenta o tamanho dos músculos e que a atividade cerebral leva ao acúmulo de conhecimentos em nossa mente. Apesar disso, a maioria das pessoas não acredita que o simples ato de pensar possa realmente alterar a estrutura do cérebro. Um dos experimentos clássicos que demonstra esse fenômeno envolve o aprendizado da arte de tocar piano.

No cérebro existem duas áreas que controlam o movimento dos dedos, sendo uma para cada mão. O tamanho dessas áreas, que reflete o número de neurônios envolvidos na tarefa, pode ser medido através da utilização de um equipamento capaz de detectar a atividade elétrica na região cerebral. Foi utilizando este equipamento que os cientistas decidiram verificar o que ocorria quando uma pessoa aprendia a tocar piano.

Um grupo de voluntários foi colocado em frente ao piano e foi solicitado que praticassem ao instrumento, duas horas por dia, durante cinco dias, uma seqüência de notas que exigia a utilização dos cinco dedos da mão direita. O objetivo era não cometer erros e seguir o ritmo de um metrônomo, um aparelho que regula o andamento das músicas.

Em cinco dias, todos os ¿alunos¿, que inicialmente trocavam as notas e erravam o ritmo, foram capazes de aprender a tocar a seqüência sem erros e seguindo o ritmo. A cada dia, o tamanho da área do cérebro responsável pelo controle dos movimentos dos dedos era medido. À medida que as pessoas melhoravam sua habilidade no piano, a área que controla os movimentos da mão direita foi aumentando, enquanto a área responsável pelo controle da mão esquerda não se alterou. Isso demonstra que, quando utilizamos uma parte do cérebro intensamente, ocorrem modificações nessa área de um modo a acomodar adequadamente a nova tarefa.

Não satisfeitos, os cientistas resolveram verificar se é necessário executar o movimento para que as alterações ocorram ou basta imaginar o movimento. Nesse experimento, os voluntários foram submetidos à mesma rotina, mas foram instruídos a deixar as mãos imobilizadas sobre a perna e somente imaginar que estavam praticando com a mão direita enquanto ouviam o metrônomo e olhavam para o teclado, tudo sem mover os dedos.

Para garantir que eles não movessem as mãos, foram colocados eletrodos que alertavam os cientistas se os voluntários tentavam mover os dedos. Depois de praticar mentalmente durante cinco dias, duas horas por dia, a área que controla os movimentos foi medida. O surpreendente é que a área do cérebro que controla a mão direita aumentou de tamanho mesmo na ausência de movimentos, demonstrando que somente o ato de imaginar o movimento da mão é capaz de alterar a estrutura do cérebro.

Como era de se esperar, não foi observada nenhuma alteração na área que controla a mão esquerda. Esse experimento foi um dos primeiros a demonstrar que o simples ato de pensar intensamente e de maneira repetitiva também é capaz de provocar alterações na estrutura de nosso cérebro.

As implicações desta descoberta são enormes. Atualmente, muitos cientistas acreditam na possibilidade de utilizar exercícios mentais para modelar nosso cérebro, da mesma forma que utilizamos as academias para modelar nossos músculos. Ainda não se sabe se essas técnicas são efetivas no tratamento de doenças mentais.

Mais informações em Modulation of Muscle Responses Evoked by Transcranial Magnetic Stimulation During the Acquisition of New Fine Motor Skills, no Journal of Neurophysiology, volume 74, página 1.037, 1995.