Título: Aprendendo com nossos erros
Autor: Hamilton, Lee H.
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/02/2007, Espaço Aberto, p. A2

Não é cedo demais para extrair lições da guerra no Iraque. As questões mais importantes envolvem quando, onde e como os Estados Unidos intervêm em terras estrangeiras. Além disso, temos de considerar a capacidade de nosso governo para atuar no exterior, porque os Estados Unidos são bons em empreender uma guerra, mas não tão bons em manter a paz e ajudar nações a se reconstruírem.

Livros e artigos têm detalhado a falta de competência demonstrada pelos Estados Unidos no Iraque, e o Congresso está lançando mais luzes por meio de audiências públicas. A História analisará as decisões tomadas pelas autoridades e pelos comandantes militares americanos. Mas nós podemos identificar imediatamente deficiências na estrutura e na capacitação do governo dos Estados Unidos que vêm sendo expostas desde a queda da estátua de Saddam Hussein em Bagdá, em abril de 2003.

Um ponto de partida é o entendimento da língua e da cultura. O Grupo de Estudos sobre o Iraque determinou que, a partir de dezembro de 2006, a Embaixada americana em Bagdá, com quase mil pessoas, tenha pelo menos 33 que falem árabe, sendo seis delas fluentes. Este problema também aflige nossos órgãos militares e de informação. Num lugar como o Iraque - onde as decisões precisam ser tomadas rapidamente, onde o inimigo não é evidente, onde é fácil ofender e onde nosso sucesso final depende da nossa habilidade para conquistar a confiança dos iraquianos -, nossa falta de conhecimento do idioma e da cultura põe em risco a vida de nosso pessoal e o destino da nossa missão.

O governo dos Estados Unidos precisa de pessoas que falem línguas difíceis como o árabe e que entendam a cultura islâmica. Esta deve ser uma prioridade máxima para os secretários de Estado e de Defesa e para o diretor do Serviço Nacional de Inteligência. A curto prazo, precisamos proporcionar um nível de treinamento mais elevado ao nosso pessoal deslocado para o Iraque e o Afeganistão. A longo prazo, precisamos esforçar-nos muito mais para compreendermos e nos comunicarmos com pessoas cujos corações e mentes estamos tentando conquistar. As universidades americanas devem desempenhar um papel-chave, da mesma forma como nós produzimos gerações de falantes do russo e de especialistas em Rússia durante a guerra fria.

Além das qualificações específicas, temos de desenvolver uma estratégia que integre capacidades militares e civis. Desde o fim da guerra fria os Estados Unidos assumiram a liderança nos esforços de reconstrução de nações pós-conflito no Haiti, na Bósnia-Herzegovina, no Kosovo, no Iraque e no Afeganistão. É altamente provável que intervenções semelhantes venham a ocorrer no futuro, desencadeadas por conflitos militares ou catástrofes humanitárias. Quando isso acontecer, órgãos civis devem ser capazes de assumir as responsabilidades dos militares e agir rapidamente para executar planos de reconstrução e desenvolvimento político.

Em sociedades desestruturadas, há uma gama enorme de demandas: reerguer os sistemas policial e judicial, recuperar a economia, reconstruir a infra-estrutura e apoiar a agricultura. Muito freqüentemente impomos grande parte dessa carga aos militares. O pessoal dos nossos órgãos civis tem muito menos recursos e incentivos para assumir tais tarefas. Então, por que deveriam os soldados treinar a polícia local, construir sistemas de esgotos ou reformar usinas de energia elétrica?

No Grupo de Estudos sobre o Iraque, recomendamos um intenso treinamento em todas as hierarquias do governo para criar um quadro de civis que possam ser enviados em situações pós-conflito. Os órgãos governamentais americanos precisam preparar-se para atuar em conjunto, tal como os Departamentos de Defesa, de Estado, Tesouro, Justiça, comunidade de informações e outros, que podem operar no exterior sem problemas, como nossos serviços militares o fazem sob o comando conjunto. Em particular, o Departamento de Estado precisa treinar pessoal - ¿um Corpo de Reserva de Serviço no Exterior¿ - para funcionar melhor fora do cenário tradicional de uma embaixada, em situações complexas como a do Iraque. Esta capacitação civil ajudaria a manter a ordem e a estabelecer as instituições necessárias para estabilizar o país.

Por último, os Estados Unidos podem minorar o seu ônus atuando com apoio internacional mais amplo. Muitos de nossos amigos e aliados têm considerável experiência em diferentes partes do mundo e podem ajudar em tarefas como o treinamento de policiais ou a reconstrução econômica. Organizações internacionais como a ONU muitas vezes dispõem de especialistas em assuntos como a elaboração de um projeto de Constituição, resolução de conflitos e conciliação política. Organizações não-governamentais têm um papel cada vez mais importante no desempenho de funções específicas, como a distribuição de alimentos ou assistência médica. O governo dos Estados Unidos precisa sentir-se à vontade trabalhando lado a lado com todos esses diferentes participantes.

Da mesma forma como não devemos usar nosso poderio militar como pretexto racional para uma ação militar, não devemos usar uma melhor capacitação civil como justificativa para mais construções de nações. Entretanto, nossa experiência no Iraque evidencia a necessidade de estarmos mais bem preparados para a transição de missões militares para missões civis. Porque os grandes desafios do século 21 não serão conflitos militares convencionais - muitas vezes serão esforços continuados para levar estabilidade a cantos instáveis do mundo.