Título: Errando, mas sempre a favor
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/03/2007, Notas e Informações, p. A3
O crescimento assustador - pelo volume e pela rapidez - da receita da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) é o resultado de alguns dos piores defeitos do regime fiscal brasileiro e de uma política tributária cujo principal objetivo é extrair o máximo possível do contribuinte sem o levar à asfixia financeira - mas chegando perto dela.
A arrecadação da Cofins, desde sua criação, há pouco mais de 15 anos, até agora, passou de 1,01% do PIB para 4,4%, como mostrou reportagem do jornal Valor, na segunda-feira. Isso significa que a fatia do PIB que os contribuintes recolhem aos cofres do governo federal na forma de Cofins aumentou 336%. Em 1992, primeiro ano em que foi cobrada, essa contribuição, com receita de R$ 3,2 bilhões, respondeu por 8,2% de tudo o que a União arrecadou; no ano passado, com receita de R$ 92,4 bilhões, foi responsável por 25% da arrecadação total da União - um aumento de 205%.
Para sustentar gastos que cresceram e continuam a crescer rapidamente - mas sem produzir benefícios diretos para os contribuintes e para a sociedade em geral, pois as despesas que mais aumentam não são aquelas destinadas a melhorar e ampliar os serviços públicos e sim as que sustentam uma máquina estatal cada vez mais pesada e ineficiente -, o governo passou a avançar com fúria crescente sobre o bolso do contribuinte. Nos últimos anos, a arrecadação de praticamente todos os tributos, e não apenas da Cofins, cresceu mais do que o PIB, fazendo a carga tributária chegar aos níveis insuportáveis de hoje. É por isso que a fatia da Cofins em relação à arrecadação total, embora tenha crescido muito, cresceu menos do que a fatia em relação ao PIB.
O extraordinário aumento de quase 80% em três anos da receita desse tributo - criado por meio de lei complementar sancionada no fim de 1991, para substituir o Finsocial e cumprir dispositivos da Constituição de 1988 - se deve a um artifício. Para atender a uma reivindicação do setor produtivo, especialmente das empresas cujas cadeias produtivas são mais longas, que agregam valor em várias etapas, o governo mudou as regras da cobrança da Cofins. Mas, para não perder arrecadação, a Secretaria da Receita Federal aumentou a alíquota de 3% para 7,6%.
Diante do aumento excepcional da arrecadação desse tributo, o idealizador da mudança, Everardo Maciel, secretário da Receita Federal no governo Fernando Henrique (a medida vinha sendo estudada desde aquela época), agora admite que a elevação da alíquota foi exagerada. Reconhece ter sido responsável pela imposição da nova alíquota - ¿turbinada¿, como afirmou -, justifica-se alegando que, na época, não havia elementos para estimar seu efeito sobre a arrecadação e defende-se dizendo que a lei que a instituiu previu também sua revisão depois de um ano.
O contribuinte sabe que, no atual regime tributário brasileiro, uma vez instituído um novo tributo ou elevada a alíquota dos existentes, o poder público não mais abrirá mão dos resultados conseguidos. Ainda que o tributo tenha a palavra ¿provisório¿ em sua designação, sua cobrança se tornará definitiva, como ocorre com a Contribuição ¿Provisória¿ sobre Movimentação Financeira (CPMF). Para que, no caso da atual alíquota da Cofins, não reste ao contribuinte nenhuma vã esperança de redução, o secretário-adjunto da Receita Federal, Carlos Alberto Barreto, trata de garantir: a revisão da alíquota foi desnecessária em 2004 e hoje isso nem está mais em discussão.
Além de retratar com perfeição a desenvoltura com que o Fisco lida com as regras tributárias e com os contribuintes, a explosão da arrecadação da Cofins é um exemplo expressivo dos artifícios de que o governo central lançou mão como reação às distorções geradas pela Constituição de 1988 no regime fiscal brasileiro, sobretudo na forma de distribuição de receitas e de encargos entre os três níveis de governo. Como tem de partilhar com Estados e municípios a receita do IPI e do Imposto de Renda, o governo federal tratou, nos últimos anos, de aumentar a arrecadação dos tributos não partilhados, especialmente as contribuições, como a Cofins e a CPMF. São tributos ruins, que oneram excessivamente o setor produtivo, como mostram os números acima.