Título: Novo governo surge sob a crise que depôs o anterior
Autor: Lapouge,
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/03/2007, Internacional, p. A13

O chefe do governo italiano, Romano Prodi, que se demitiu no dia 23 de fevereiro e foi designado pelo presidente da Itália, Giorgio Napolitano, a suceder a si mesmo, enfrentou ontem o Parlamento e, ainda nesta semana, se submete à votação da Câmara de Deputados. Ele deve recuperar o Palácio Chigi. Mas em que condições? E por quanto tempo? Se Napolitano o reconduziu ao cargo, é porque ele não tem alternativa. Aí reside a força do ¿professor¿ Prodi. Ao mesmo tempo, essa é a sua fraqueza.

A Itália tem hoje apenas duas opções: uma à direita (Silvio Berlusconi, Gianfranco Fini) - da qual ela teve uma overdose nos últimos anos -, e uma à esquerda, como a de Prodi. Portanto, é ¿par défaut¿ (por falta de outra opção), como se diz em eletrônica, que Prodi deve voltar.

Isso ressalta bem a fragilidade da coalizão. Esta, que agrupa nove partidos, dá vertigens. Sobretudo porque esses nove partidos não se entendem sobre nada, nem mesmo sobre a própria sobrevivência. Eles vão da extrema esquerda (os dois partidos comunistas) à direita democrata-cristã.

Uns são ardentemente antiglobalização, antiliberais e antiamericanos (Prodi por causa da questão da presença dos soldados italianos, que servem na Otan, no Afeganistão). E, numa outra ala, temos homens atlantistas, liberais, inimigos do PaCS (Pacto Civil de Solidariedade, que regulamenta a união civil de pessoas independentemente do sexo).

Prodi equilibrou-se no poder durante nove meses. Parecia aqueles acrobatas que se vêem nos circos empoleirados no alto de uma pirâmide humana. O problema é que os pilares de sua pirâmide não se harmonizavam. Eles se desentendiam, se provocavam ou beliscavam os braços de seus vizinhos.

De vez em quando, um dos pilares desmorona. Foi o que aconteceu há dez dias: dois parlamentares comunistas votaram inesperadamente contra a política de Prodi no Afeganistão. E o ¿professor¿ deu com o nariz na serragem.

E agora? Mesmo que Prodi seja, como parece provável, reempossado o problema não estará resolvido: mesmo ¿pecado original¿, mesmo grupo heterogêneo no poder, mesmo esquartejamento entre os que amam o Vaticano e os que o detestam, mesmas dissonâncias sobre a Otan, sobre orçamentos, sobre a ampliação da base americana em Vicenza.

O segundo governo Prodi parecerá um irmão do que acaba de cair: como um grande deficiente se parece com outro grande deficiente.

Então, o que Prodi escolherá? Quer ele vista o chapéu da direita ou o da esquerda, adeus maioria. Então ele tem se contentado em meter medo nos que o sustentam.

Declarando que queria ¿uma maioria de ferro¿ (o que é um achado humorístico), Prodi procurou intimidar sua ¿esquerda radical¿ (comunistas, verdes, etc.) explicando-lhes que se recomeçassem suas brincadeiras, o futuro de todos seria o abismo. Novas eleições? Retorno a Berlusconi? Crise de regime? Dá para jurar que a Itália tem aversão por sua época. Esse país brilhante, ¿superdotado¿, é estranho: de certo ângulo, é um dos países mais ágeis, mais rápidos, mais modernos. Menos pesados que os alemães, menos teóricos que os franceses, hábeis e leves, os italianos sabem ¿agarrar a modernidade pelos cabelos¿.

Mas, contraditoriamente, a Itália continua invadida pelos arcaísmos, a ferrugem dos tempos, rotinas e lembranças. País jovem e velho. Para seu governo, por exemplo, a Itália se obstina em perpetuar, neste começo de terceiro milênio, os modelos parlamentares que funcionavam na França na metade do século 19 e no 20 (governo dos partidos).

Claro, graças à agilidade intelectual dos italianos, o país se adapta e continua sua marcha a despeito do próprio governo. Mas nesse jogo, ele esgota suas forças vitais.

É por isso que muitos gostariam de utilizar a provação presente para mudar as regras do jogo. Prodi quer promover uma nova lei eleitoral. A lei existente é consternadora: uma proporcionalidade temperada por um misterioso sistema de prêmios. Essa lei, desejada por Berlusconi no fim de seu reinado, tinha por finalidade ¿surrupiar¿ a vitória da centro-esquerda (Prodi) nas eleições de 2006.

A esquerda a detesta, mas a direita tampouco a aprecia. ¿Essa lei que restaura a partidocracia¿, havia dito Prodi, ¿tem por fim que o vencedor vença mal e governe ainda pior¿, uma observação tristemente profética. Aliás, o próprio parlamentar de direita que foi seu autor, Roberto Calderoli, dirigente da Liga do Norte, havia proclamado, com cinismo e bom humor: ¿Essa lei é uma porcaria.¿

Reformar a lei eleitoral será talvez uma das primeiras batalhas de ¿Prodi 2¿, se ¿Prodi 2¿ for viável. Mas, e depois? Na França, o regime dos partidos durou até 1958: os governos desfilavam, diante dos cidadãos atônitos, com a rapidez de cavalos de corrida. O país havia atingindo tamanho grau de fraqueza que bastou uma provação na Argélia para a Quarta República francesa se dissolver. Charles De Gaulle tinha voltado ao poder. Ele não havia apenas mudado a lei eleitoral: adotou uma nova Constituição e criou a Quinta República. Algum dia a Itália terá de passar, sem dúvida, pelas mesmas provas e as mesmas ressurreições.