Título: Palestino narra pressão psicológica em prisões da CIA
Autor: Linzer, Dafna
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/03/2007, Internacional, p. A15

Em seu último dia numa prisão da CIA, Marwan Jabour, acusado de ser tesoureiro da Al-Qaeda, foi colocado na traseira de uma van, levado para um aeroporto e posto num avião com outro um prisioneiro. Sua libertação dessa prisão secreta no Afeganistão, em 30 de junho de 2006, foi uma surpresa - logo depois de a Suprema Corte rejeitar afirmações do governo de George W. Bush de que as Convenções de Genebra não se aplicavam a prisioneiros como ele.

Jabour passou dois anos numa das prisões secretas operadas pela CIA. Sua experiência - que consta também do relatório divulgado terça-feira pela organização Human Rights Watch - não condiz com as informações do governo Bush sobre o sistema prisional da CIA, como o número de detidos e a ameaça que eles oferecem. Embora 14 presos tenham saído de prisões da CIA, levados para a base de Guantánamo, em Cuba, muitos outros não foram identificados publicamente pelo governo americano e seu paradeiro continua um mistério.

Segundo Jabour e informações de inteligência dos EUA, ele entrou no programa das prisões secretas em maio de 2004. Em entrevistas, Jabour disse ter sido tirado à força de um carro, quando entraram pelo portão de uma casa de campo, numa área afastada de Islamabad, capital paquistanesa. Uma semana antes, ele fora espancado e queimado por oficiais da inteligência paquistanesa, numa prisão em Lahore. Ali, foi interrogado por duas mulheres americanas que lhe disseram que seria bom que ele cooperasse e, caso recusasse, desapareceria para sempre. Depois, Jabour foi vendados e levado de carro, numa viagem de quatro horas, para a prisão secreta.

Jabour passou cinco semanas nesse local, acorrentado a uma parede, dormindo poucas horas. Disse que à noite era espancado por guardas paquistaneses, após horas de interrogatório por agentes americanos. Posteriormente, ele e outros detentos foram transferidos para prisões da CIA. Algumas, na Europa Oriental. Jabour foi para uma no Afeganistão. Os interrogadores - descritos como americanos entre 20 e 30 anos - disseram que ele não veria seus três filhos novamente.

A Human Rights Watch identificou 38 pessoas que podem ter sido mantidas em prisões secretas da CIA e continuam desaparecidas. Funcionários da inteligência disseram ao Washington Post que o número de presos mantidos nessas prisões há mais de cinco anos é confidencial, mas são mais de 60. O paradeiro deles não foi revelado.

Nas entrevistas para The Washington Post, na casa de seus pais na Faixa de Gaza, Jabour admitiu ter auxiliado a Al-Qaeda e militantes do Taleban que fugiram do Afeganistão quando o Exército americano começou a caça aos autores dos atentados de 11 de Setembro. Ele nasceu na Jordânia, de pais palestinos, foi criado na Arábia Saudita e educado no Paquistão. Em 1998, a dura situação dos muçulmanos na Chechênia, sob o governo russo, chamou sua atenção. Cruzou a fronteira para o Afeganistão e recebeu treinamento em campos jihadistas, pretendendo juntar-se aos separatistas chechenos. Em 1999 Jabour voltou ao Paquistão. Dois anos depois, após a ofensiva militar americana no Afeganistão, aqueles com quem treinou apareceram pedindo ajuda.

Usando fundos de financiadores da Al-Qaeda, Jabour conseguiu alimento, tratamento médico e documentos de viagem para dezenas de pessoas. Um agente dos EUA que examinou o arquivo confidencial de Jabour não o qualificou como membro da Al-Qaeda. Mas disse que, no Paquistão, Jabour ¿esteve em contato com membros do alto escalão da Al-Qaeda¿.

Segundo Jabour, a prisão secreta era dirigida por americanos em roupas civis e protegidos por mascarados com uniformes pretos. Durante os primeiros três meses na prisão afegã Jabour passou quase o tempo todo nu, preso numa cela de concreto com dois cobertores e um balde. As luzes ficavam acesas 24 horas por dia, com duas câmeras e um microfone ligados dentro da cela. Às vezes uma música alta chegava às celas por meio dos alto-falantes. Em mais de dois anos Jabour foi interrogado por cerca de 45 pessoas. Foi ameaçado fisicamente, mas nunca espancado. Às vezes as mãos eram acorrentadas na cela, impossibilitando-o de se sentar ou ficar em pé.