Título: A contribuição das universidades
Autor: Pinotti, José Aristodemo
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/03/2007, Espaço Aberto, p. A2

O primeiro fruto da interação da recém-criada Secretaria de Ensino Superior com as universidades públicas paulistas é a preocupação com o ensino básico em São Paulo. A proposta, que apareceu no meio da profícua discussão sobre autonomia, surgiu das próprias universidades, expressão de sua sensibilidade e seu compromisso social, e foi encampada pelo governador José Serra, na formação imediata de um grupo de trabalho (universidades, Secretarias de Educação e de Ensino Superior) com o objetivo de conjuntamente implementar soluções para melhorar a qualidade do ensino fundamental paulista.

É desnecessário estender-me sobre o potencial dessa colaboração. Pesquisa recente realizada pela Unesco em escolas públicas de boa qualidade concluiu que, entre os fatores do sucesso, um é determinante: o apoio externo de grupo ou entidade com conhecimento específico. O conjunto das universidades públicas paulistas pode dar uma contribuição extraordinária para mudar o quadro do ensino fundamental em nosso Estado.

Esse é o primeiro fruto do diálogo estabelecido com as universidades. Virão outros. A concentração de inteligência e inovação nelas contida pode oferecer rumos a diferentes políticas públicas, da mesma forma que constituem caldo de cultura propício para o desenvolvimento tecnológico e para inovações industriais. Os Núcleos Interdisciplinares da Unicamp, implantados a partir da década de 1980, constituem uma demonstração da capacidade da universidade para realizar essa interface acadêmica com a sociedade.

Existe um projeto ambicioso e necessário do governo do Estado de implementação de cinco parques tecnológicos em São Paulo, dois deles já funcionando, em Campinas e em São José dos Campos. O de Campinas nasceu como filho de um casamento entre o CPqD da Telebrás e a Unicamp, abençoado pela prefeitura. Hoje ele precisa ser revigorado. Os outros três parques - São Paulo, São Carlos e Ribeirão Preto -, com vocações específicas, devem juntar-se à pesquisa básica da universidade desses locais.

Mas para estabelecer uma boa integração é preciso compreender o complexo significado da instituição universitária de pesquisa. As três universidades públicas estaduais de São Paulo gozam de reconhecimento internacional. Temos hoje no Estado - graças à mãe USP, à importação de cérebros, ao modelo das 'Grandes Écoles', aos pioneiros desbravadores, funcionários dedicados, bons pesquisadores e reitores eficientes - três espaços dedicados ao conhecimento, que o trabalham de modo específico com a função de desenvolvê-lo permanentemente para toda a sociedade. Sua peculiaridade e sua força repousam na aliança entre educação e geração de conhecimento e, especialmente, na vocação de formar pessoas para multiplicarem ambas as tarefas. Para exercer essas funções - hoje mais importantes do que nunca, pois vivemos numa sociedade do conhecimento - é essencial que a instituição universitária tenha liberdade, para não se render a utilitarismos - sejam do fordismo ou mesmo das políticas sociais -, e autonomia, para manter essa liberdade. A universidade pode e deve propor idéias para esses dois lados, porém não é a responsável direta pela solução desses problemas, pois seu papel fundamental é preparar cidadãos capacitados para exercerem essas funções e que devem ser formados num ambiente de pesquisa, para terem criatividade, e de liberdade, para desenvolverem espírito crítico.

Daí a relevância de investigações básicas na universidade, daquelas que tratem da fronteira do conhecimento. É bom lembrar que nesse ambiente acadêmico, específico, delicado e frágil, se produziram a física quântica, o DNA, a eletricidade, o lazer, além da maioria dos homens e das mulheres que acrescentaram qualidade e humanidade à História contemporânea. Por isso, o aumento do número de vagas deve ser gradual, entretanto não se deve deixar de pensar e planejar, apontando para a modernidade, um Sistema Estadual de Ensino a Distância de qualidade.

Tudo isso precisa ser convenientemente entendido e preservado, mas nada disso significa que as universidades devam ficar fora do controle do poder público, tampouco divorciadas da sociedade que as mantém e necessita de seu apoio. O desafio é compatibilizar o respeito à peculiaridade da universidade, sua liberdade e autonomia com as integrações benéficas com a sociedade. O caminho é o diálogo informado, contínuo, ponderado e respeitoso, que não ofereça desde logo um modelo acabado, mas que o formule no trajeto dessa interação e que busque sempre resultados.

Além disso, existem mais de 500 instituições universitárias no Estado, é preciso dar um corpo a esse valioso conjunto para poder estabelecer uma política de ensino superior.

Em resumo, a Secretaria de Ensino Superior, além de se preocupar com a manutenção e o aprimoramento da qualidade das nossas três universidades públicas estaduais, com o aumento de vagas sem perda de qualidade, objetiva formar um Sistema de Ensino Superior do Estado que olhe para fora dele, pelo menos em três direções: ensino básico e seu aprimoramento, desenvolvimento científico e tecnológico e empregabilidade dos profissionais formados. Tudo isso sem perder de vista que sua principal função é a formação de recursos humanos.