Título: Os frutos tardios de uma CPI
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/03/2007, Notas e Informações, p. A3

A CPI do Banestado, instalada em junho de 2003 para apurar remessas ilegais de dinheiro feitas por brasileiros por intermédio de doleiros, fez um extenso e minucioso trabalho investigativo. Vasculhou a contabilidade de instituições financeiras, obteve depoimentos comprometedores - para eles e para seus clientes - de doleiros, alguns dos quais acabaram obtendo os benefícios da delação premiada. O mais notório deles, Antonio Oliveira Claramunt, o Toninho da Barcelona, condenado a pesada pena de prisão, revelou detalhes de um variado repertório de delitos, envolvendo figuras públicas, dos negócios e da política. Em contato com a Promotoria de Nova York, os membros da CPI descobriram as ramificações externas de doleiros que operavam tranqüilamente no Brasil, utilizando-se das chamadas contas CC5.

Estimava-se que o esquema fraudulento montado no Banestado tivesse movimentado cerca de US$ 30 bilhões, entre 1996 e 1999. Ao final das investigações, a CPI dispunha de elementos para indiciar 90 parlamentares.

Mas nada foi feito. A CPI havia deixado de ser um órgão que investigava delitos e se tornara um imenso repositório de documentos relativos a transferências de dinheiro para o exterior, legais e ilegais. E essas informações, que deveriam ser preservadas por sigilo, passaram a ser vazadas para a imprensa, por grupos políticos interessados em atingir reputações. E, como se recorda, o relator José Mentor, homem de confiança de José Dirceu, foi acusado de fornecer ao então chefe da Casa Civil lista de nomes de envolvidos para seu uso político. Esse tipo de utilização de informações privilegiadas chegou a comprometer, por longo período, o relacionamento entre as autoridades brasileiras e as norte-americanas, que haviam liberado documentos com compromisso de sigilo.

Transformada numa arena de disputa partidária, a CPI perdeu o rumo. O relator, deputado petista José Mentor, fez um relatório final e o senador tucano Antero Paes de Barros fez outro. O prazo de funcionamento da CPI se esgotou e nenhum relatório foi votado.

Nessas circunstâncias - a obstrução da votação de relatórios sempre foi, no Congresso, uma maneira de sepultar em arquivos empoeirados documentos comprometedores -, o trabalho da CPI deveria ter sido perdido. Mas, desta vez, o vulto da fraude e a celeuma criada durante a apuração dos delitos produziram efeitos. O escândalo era grande demais para ser abafado. Os documentos que comprovavam transferências ilegais foram entregues a autoridades judiciárias, ao Ministério Público e à Secretaria da Receita Federal.

Agora, a CPI, que terminou melancolicamente em dezembro de 2004, começa a dar frutos em abundância. Na 2ª Vara Federal de Curitiba foram abertos e tramitam normalmente dezenas de processos contra doleiros e seus clientes. O juiz titular da Vara, a par de ter autorizado a Polícia Federal a prender mais de uma centena de suspeitos, deu à Secretaria da Receita Federal integral acesso aos documentos e depoimentos obtidos durante a investigação de remessas feitas pelo Banestado, MTB Bank, Merchants Bank e Delta Bank. Também ficaram à disposição da Receita os documentos comprovantes de movimentação da famigerada conta da offshore Beacon Hill Service Corporation.

O balanço das operações conduzidas pela Receita, publicado no Estado de quinta-feira, é impressionante, embora nem de longe o montante das cobranças de multas e impostos sonegados chegue perto dos US$ 30 bilhões estimados inicialmente como o total do dinheiro desviado. Ocorre que muitas das remessas investigadas que chegaram a ser apontadas como fraudulentas, durante os trabalhos da CPI, eram, de fato, legítimas.

No ano passado, as autuações feitas pela Receita somaram R$ 1,126 bilhão, atingindo 817 contribuintes - entre eles, grandes empresários, políticos, empresas, profissionais liberais e doleiros. Entre 2004 e 2006, já haviam sido autuados 1.404 contribuintes, num total de R$ 1,940 bilhão. E ainda estão sob investigação 584 contribuintes. Essas autuações têm sido feitas sobre bases sólidas, tanto que as punições têm sido confirmadas pelos Conselhos de Contribuintes. Além de responder por crime de sonegação fiscal, os contribuintes que transferiram dinheiro irregularmente para o exterior estão sendo processados por lavagem de dinheiro e evasão de divisas.