Título: A reforma interminável
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Fonte: O Estado de São Paulo, 05/03/2007, Notas e Informações, p. A3

Mais uma vez, amanhã, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva discutirá com os governadores estaduais uma proposta limitada de reforma tributária. Estará em pauta, especificamente, a mudança da sistemática de cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Já discutido à exaustão, desta vez a novidade está no apoio do governador de São Paulo, José Serra, à cobrança do ICMS no destino, defendida pelo Ministério da Fazenda. 'Se o ICMS fosse para o destino - declarou Serra há dias -, teríamos uma diminuição, quase o desaparecimento da guerra fiscal, o que seria um bem para o País.'

Nunca um governador paulista havia tido a coragem de defender a cobrança do ICMS no destino - ou seja, no Estado onde o produto é consumido -, pois o custo imediato dessa mudança para São Paulo será grande, sendo estimado por especialistas em R$ 6 bilhões a R$ 7 bilhões por ano, para uma arrecadação líquida prevista em R$ 43,8 bilhões, em 2007. A defesa da mudança do ICMS feita pelo governador de São Paulo implica reconhecimento de que pior do que o custo da reforma é a perpetuação da guerra fiscal, provocada por Estados que abrem mão de tributos em troca de investimentos.

A guerra fiscal é a maior responsável pela diminuição da participação paulista no bolo do ICMS - de cerca de 40%, nos anos 80, para cerca de 32%, hoje, ou seja, 8% de uma arrecadação anual do ICMS de R$ 170 bilhões.

Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o governo federal não apresentará 'um prato feito' no encontro com os governadores. Mas o fato de a Fazenda ter várias alternativas de mudança - entre as quais a que prevê a cobrança do ICMS no destino - não dá a mínima segurança de que os governos estaduais chegarão a um consenso, muito menos que o governo federal fará, agora, o que não fez no primeiro mandato de Lula.

Não é a primeira vez que o presidente Lula convoca os governadores para apoiar uma reforma tributária que nunca sai do papel. Em março de 2003, acompanhado dos 27 governadores, Lula desceu a rampa do Palácio do Planalto em direção ao Congresso Nacional levando debaixo do braço a proposta de emenda constitucional da reforma tributária. Mas foi apenas uma jogada para a platéia. O resultado da encenação consistiu, pura e simplesmente, na prorrogação da CPMF e da Desvinculação de Recursos da União (DRU), para atender às necessidades de caixa da União.

Conceitualmente, não há dúvidas de que o ICMS precisa ser modernizado e que isto implica algumas mudanças radicais nas regras que balizam o tributo. Para simplificar o sistema tributário, desde 1995 foi proposta a instituição de um tributo único sobre o consumo e a produção, o Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), que substituiria o ICMS e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A simplificação permitiria aliviar os custos que os contribuintes têm simplesmente para pagar o tributo, além de dificultar o chamado planejamento fiscal - ou seja, a busca pelos contribuintes de brechas legais para pagar menos imposto. E a unificação das alíquotas, combinada com a cobrança do ICMS no destino, facilitaria a fiscalização, permitindo centralizar os esforços das Fazendas estaduais na investigação dos casos mais graves de sonegação. Mas em momento algum os Estados chegaram perto de um consenso quanto aos termos de uma reforma do ICMS.

Agora, pela primeira vez, as declarações do governador paulista permitem alimentar alguma esperança de que se possa levar a reforma adiante.

Como notou o consultor e ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega, a cobrança do ICMS no destino evitaria as distorções alocativas - ou seja, a transferência de investimentos para Estados que oferecem isenções fiscais -, poria fim à acumulação de créditos de ICMS pelas empresas exportadoras que adquirem matérias-primas em outros Estados e encerraria as pendências anuais em torno das compensações da Lei Kandir.

Resta saber se o governo federal reúne, além de competência técnica, disposição política para comandar a reforma ou se está apenas começando mais uma interminável sucessão de reuniões para nada decidir.