Título: Governadores resistem a discutir ICMS em encontro com Lula
Autor: Brandt, Ricardo e Monteiro, Tânia
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/03/2007, Nacional, p. A4

Os 24 governadores que se reúnem amanhã com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na Granja do Torto, em Brasília, para discutir contrapartidas em troca do apoio ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) vão boicotar qualquer tentativa presidencial de transformar o encontro numa agenda do governo, não dos Estados.

E avisam que vetarão a discussão de assuntos espinhosos, como a alteração na forma de recolhimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

O presidente Lula, por outro lado, deixou claro que vai defender no encontro o fim da guerra fiscal entre os Estados, com a realização de uma reforma tributária que tem como idéia central exatamente a mudança nas regras de cobrança do ICMS, principal tributo estadual. A cobrança hoje é feita na origem, ou seja, no Estado em que se realiza a produção. O desejo do governo é passar a cobrança para o destino, o Estado onde se dá o consumo - sistema adotado em outros países e considerado capaz de reduzir as desigualdades regionais, ao beneficiar os locais menos desenvolvidos.

A questão, porém, será rechaçada no encontro por ser polêmica e não haver consenso entre os governantes. O governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (PFL), afirmou que haverá 'mal-estar' se o assunto for levado à discussão - como quer Lula. 'Esse tema, se colocado, nem sequer permitiremos a discussão. Serei o primeiro a pedir para que ele seja retirado. Porque aí é um tema não proposto na primeira reunião e não proposto pelos governadores. É uma agenda típica de quem quer dividir para não discutir', afirma Arruda.

Alguns governadores demonstraram constrangimento em relação ao encontro de amanhã. Isso porque até sexta-feira nenhum representante do governo ou emissário de Lula havia dado notícias sobre quais pontos poderiam ser debatidos.

Os governantes, alinhados e não-alinhados a Lula, se empenham para que, no encontro, sejam discutidos apenas os 14 itens propostos por eles na carta entregue no fim de janeiro - após a divulgação do PAC.

Em resumo, eles pedem a Lula uma fatia maior dos tributos da União para os Estados e municípios, uma 'solução de mercado' para as dívidas regionais e a inclusão de algumas obras de infra-estrutura no programa de prioridades. Entre as reivindicações, está a inclusão de contribuições como a Cofins nos fundos de participação, o aumento dos repasses da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) - também chamado de imposto dos combustíveis - e a liberação da caução da dívida.

'ESPERTEZA'

'Eu senti de vários governadores um constrangimento. Alguns estão sentindo uma certa esperteza do governo, que não responde, não sinaliza e aí chega lá, o presidente, muito simpático, abraça todo mundo, usa todo mundo para a fotografia, mas não discute temas objetivos', afirmou Arruda.

Responsável por entregar a carta ao governo, Arruda se transformou numa espécie de porta-voz do grupo. 'Se o governo quiser ter uma reunião realmente com a presença dos governadores, ele terá de sinalizar, como é natural, sobre quais os pontos poderão haver avanços', avisa.

Segundo o governador do Distrito Federal, o constrangimento é geral no grupo que se reunirá com o presidente no Torto. 'Tem governador, até da base aliada, se sentindo usado. Se for para empurrar com a barriga, não precisa chamar a gente. Lança o projeto e faz o que quiser. Ele só precisa dos votos do Congresso.' O governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima (PSDB), faz uma ressalva e diz compreender a posição de Lula. 'É compreensível, pois estamos diante de um presidente que tem uma larga experiência, inclusive negocial. A origem dele é movimento sindical e ele não anteciparia essa negociação. Ele vai deixar para fazer isso no dia.' Interlocutores do presidente afirmaram que, após a entrega da carta, ele pediu que áreas técnicas do governo preparassem um diagnóstico da situação dos Estados. Deveria estar concluído até sexta-feira, para que Lula pudesse debatê-lo no encontro.

De maneira sucinta, para os governadores, o ponto central da reunião deve ser a necessidade de a União abrir mão de recursos tributários para repassar aos Estados e municípios, melhorando a capacidade de investimento. 'O Brasil se transformou num País unitário. Nós não somos mais uma Federação. O nível de concentração de receita na União, o volume de dependência dos Estados é algo que não permite mais nos apresentarmos como Federação', ataca Cunha Lima.

DESENVOLVIMENTO

Enquanto isso, para tentar quebrar a resistência dos Estados mais industrializados quanto às mudanças do ICMS, o presidente Lula argumenta que é uma obrigação pensar no desenvolvimento do País, não apenas em áreas específicas. 'Não dá para se conformar, achando que quem é rico vai ficar sempre rico e quem é pobre vai ficar sempre pobre', afirma.

Os governadores de São Paulo, José Serra, e de Minas, Aécio Neves, ambos tucanos, já declararam estar dispostos a aceitar a mudança proposta.